Normalmente a Trindade é defendida pela forma como Deus é
apresentado no primeiro capítulo de Génesis. Alguns teólogos apontam para o
fato de que a pessoa de Deus está descrita no plural (Elohim). Uma vez que os
judeus têm lido esse texto durante séculos e não apontaram a existência de
vários deuses, podemos considerar como uma situação interessante. McClaren sobre
o assunto chegou a dizer: “O plural Elohim não é sobrevivência de um estágio
politeísta, mas expressa a natureza divina na sua totalidade completa,
incluindo uma pluralidade de pessoalidades“. Entretanto, Berkhof afirma que
embora o plural contenha a ideia de pluralidade de pessoas, não aponta para sua
tri-unidade.
Ainda no primeiro capítulo de Génesis uma expressão nos
chama a atenção: “Façamos o homem”
(v.26). Uma vez que vemos que existe uma pluralidade, não é de se espantar que
use a primeira pessoa do plural para realizar algo tão majestoso como o homem.
É bem verdade que é possível que esse plural seja um plural de excelência.
Entretanto, é interessante perceber que os autores neo-testamentários entendiam
que Cristo tenha sido ativo na criação: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas
vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos
falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual
também fez o universo” (Heb.1:1-2). Em João 1:3 ainda lemos: “Todas as coisas
foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez“. Em
nenhum momento vemos os autores neo-testamentários atribuírem tal ideia à Génesis
capítulo 1, isso é bem verdade, mas isso parece subentendido no seu parecer.
Assim, não considero um exagero encontrar uma alusão à
trindade aqui, até por que o Espírito de Deus também é mencionado nesse
capítulo: “A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face
do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas” (Gén1:2). A ação
atribuída aqui ao Espírito de Deus é muito interessante, pois, ainda que denote
a ideia de sobrevoar ela também descreve uma forma de proteção. Em Deuteronómio
32:11-12, onde essa palavra é novamente usada, lemos: “Como a águia desperta a
sua ninhada e voeja sobre os seus filhotes, estende as asas e, tomando-os, os
leva sobre elas, assim, só o SENHOR o guiou, e não havia com ele deus
estranho”. Considerando isso, é bem possível que essa seja uma alusão à
participação criativa do ES no início, pelo menos essa é a opinião de Ryrie.
Outra situação, ainda em Génesis que merece nossa atenção é
vista na cena da queda: “Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem se tornou
como um de nós, conhecedor do bem e do mal; assim, que não estenda a mão, e
tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente” (Gn.3:22). Uma vez
que o autor dessa expressão é o mesmo que escreveu o shema de Deuteronómio 6:4,
não podemos supor que ele entenda a existência de muitos deuses. Mais uma vez,
a pluralidade de Deus ficou evidente, muito embora não delineada em quantidade
ou diferença de pessoa. Mas será que no VT temos algum indicativo disso?
Para responder a essa indagação podemos citar um texto que
parece elucidar essa questão: “Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em
segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho
estado lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito” (Is.48:16).
Essa parece uma indicação muito interessante da Trindade no Velho Testamento,
uma vez que o texto fala do Messias como enviado da parte de Deus com o
Espírito. Em outro caso, o Messias fala sobre sua unção do Espírito e de Deus:
“O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar
boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a
proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” (Is.61:1;
cf. Lc.4:18). Isso parece deixar evidências nas páginas da teologia histórica
que apontam para uma compreensão primitiva do conceito da Trindade. Essa
conclusão está em acordo com a revelação progressiva das escrituras.
Até aqui, vemos que as escrituras defendem a doutrina da
Trindade de modo muito peculiar. Por isso é importante se considerar a
interação entre os dois testamentos e progressão da revelação. Para ilustrar
esse princípio, cito mais uma vez Berkhof: “Se no Antigo Testamento Jeová é
apresentado como o Redentor e Salvador de Seu povo (…) no Novo Testamento o
Filho de Deus distingue-se nessa capacidade (…) E se no Antigo Testamento é
Jeová que habita em Israel e nos corações dos que temem (…) no Novo Testamento
é o Espírito Santo que habita na Igreja”. Assim, podemos ver que aquelas
atividades que são apresentadas a Deus no Velho Testamentos são especificadas a
pessoas diferentes no Novo Testamento e isso atesta tanto a divindade do Filho
e do Espírito como sua própria unidade com Deus.