Este tema tratará um assunto de especial interesse e que poderíamos chamar o Grande Conflito, ou o Conflitos dos Séculos. Esta é a designação teológica para nos referirmos à Guerra cósmica entre o bem e o mal.
Este conflito não tem este nome na Bíblia. Fala-se da sua acção e é perfeitamente perceptível. É uma saga que se iniciou no Céu e acabou por ter a Terra como palco principal, com a criação do ser humano.
1- Dois mistérios em acção.
A queda de Lúcifer: “Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci; estavas no monte santo de Deus, andavas entre as pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor. ... Pela multidão das tuas iniquidades, pela injustiça do teu comércio profanaste os teus santuários...” Ezequiel 28:14, 17, 18
Esta passagem refere-se a Satanás, que se tornou “o deus deste século.” Era um querubim protector. Tinha uma elevada posição no Céu.
Os seres celestiais são: anjos, serafins e querubins.
Em Isaías 6:2, 3 mencionam-se os serafins: “Os serafins estavam acima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo, é o Senhor dos Exércitos: toda a terra está cheia da sua glória.”
Ezequiel 10:20-22, refere-se aos querubins: “São estes os seres viventes que vi debaixo do Deus de Israel, junto ao rio Quebar, e percebi que eram querubins. Cada um tinha quatro rostos e cada um quatro asas, e a semelhança de mãos de homem debaixo das suas asas. A semelhança dos seus rostos era a dos rostos que eu tinha visto junto ao rio Quebar; tinham o mesmo aspecto, eram os mesmos seres. Cada um andava em linha recta para a frente.”
Lúcifer tinha estes dois títulos: serafim e querubim. Era uma espécie de anjo chefe de todos os anjos. Era o director do coro celestial. Comandante dos anjos, anunciador dos propósitos de Deus a todo o Universo.
Era quem estava mais perto do Trono do Altíssimo, conhecia, como nenhum outro anjo, o carácter, o governo, os métodos e projectos de Deus. Por isso foi grande a perplexidade dos seres celestiais quando, como diz a Bíblia:
– “...foi encontrada iniquidade em ti.”
– “...o teu interior estava cheio de violência, e pecaste.”
– “...elevou-se o teu coração por causa da tua formosura.”
– “...corrompeste a tua sabedoria.”
– “...profanaste o teu santuário.”
Como é isto possível, na presença de Deus?
Na pureza e na santidade do Céu?
No meio das pedras de fogo (anjos)?
Não sabemos, é um mistério. É o mistério da iniquidade. Impossível explicar a origem do pecado e encontrar uma razão para a sua existência. Só podemos compreender a disposição do pecado e as causas.
Ilustração:
Duas da manhã, uma jovem à morte. Sou visto a sair duma casa duvidosa. As pessoas começam a murmurar. Alguém amigo um dia fala comigo, e conta-me o murmúrio.
Fui visto a sair duma casa duvidosa às 2 h da manhã.
É intrigante. Como é possível?
Um homem que fala do Evangelho de Cristo e de moral, visto a sair dum local tão duvidoso?
Por fim, diz:
– Pastor, deve haver uma explicação, um mal entendido. Eu não acredito no que se diz. Conheço-o suficientemente bem para saber que não faria tal coisa.
– Estou muito grato pela sua confiança. E expliquei o que se passou.
Uma jovem foi assistir duas noites à série de conferências que realizei na igreja. Na segunda noite, falou-me da sua vida, e do desejo que tinha de amar e seguir a Jesus. Mas encontrava-se num lamaçal moral de onde seria muito difícil sair. Falei-lhe do amor de Jesus e de como Ele tinha ajudado uma mulher com o mesmo estilo de vida que ela levava: Maria Madalena. Ela agradeceu e prometeu voltar.
Passava da meia-noite quando um carro, em alta velocidade, foi contra ela. Vivia num quarto alugado. Pediu à senhoria para telefonar ao pastor da Igreja Adventista. Precisava de lhe falar, de receber algum conforto e conselho.
Quando lá cheguei, um médico disse-me, em privado, que não havia nada a fazer. Ela ainda estava viva, mas ele não sabia como. Era muito grave. Entrei no quarto onde ela se encontrava. A primeira coisa que me perguntou, com voz cansada:
– Será que Jesus pode ter misericórdia de mim, será que Ele me perdoa?
Expliquei, a quem me pedia explicações, que lhe tinha falado do amor de Jesus na Cruz do Calvário, e que a jovem tinha adormecido no sono da morte, com um sorriso de esperança.
Terminei perguntando: o irmão acha que fiz mal ou bem?
– Fez muito bem, pastor, muito bem! Afirmou.
E vocês o que acham?
Todos dizem que fiz bem, porque eu tenho uma explicação lógica e boa para a aparência do mal. O pecado e a sua origem não têm explicação. Por que razão Lúcifer, o anjo mais poderoso do Céu, se revoltou contra o Deus da misericórdia e da bondade? Porque se revoltou contra o Criador? O seu Criador!
Mas devemos pensar. Talvez não se chegue a uma compreensão total, mas a interrogação é um processo normal em todo o ser inteligente. Os seres celestiais são seres livres. Capazes de interrogar, de fazer juízo de valores. Têm emoções, desejos, personalidade e preferências.
Não era normal que Lúcifer, como ser criado, questionasse os mistérios e a vontade de Deus? Não seria isto normal para todo o ser racional e inteligente?
Creio ser normal que os seres do Universo, nalgum momento, se tenham interrogado sobre a soberana vontade de Deus, sobre a sabedoria, “será que Ele sabe mesmo todas as coisas?”, sobre a justiça de Deus, “será que Ele é justo em tudo?”
Creio que interrogar-se sobre Deus é saudável, é uma afirmação de que Ele existe e que O abordamos como um Ser pessoal.
Mas, há um momento, um espaço, em que as mentes finitas, e Lúcifer ainda que o anjo mais brilhante do Universo tendo uma mente finita, não pode querer entrar no que é uma mente infinita. Aí só resta a confiança. E a confiança é repousar plenamente no ser amado, compreender que há um ponto em que não se pode compreender, e deixar o que não é compreensível nas mãos de Deus, a quem se ama e em cujo amor, justiça e sabedoria se confia plenamente.
Para um fiel filho de Deus, o que não compreende não o perturba. Porque para eles é o princípio da confiança.
“As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus; porém as reveladas pertencem a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei.” Deuteronómio 29:29
A sua felicidade não está em compreender, mas em confiar e deixar a sua vida sob a direcção total de Deus. Nisto consiste a felicidade eterna dos filhos de Deus. E é desta forma que têm permanecido fiéis.
O que se passou com Lúcifer foi que quando chegou ao ponto em que tinha que colocar toda a sua confiança no amor, na justiça, na sabedoria de Deus, não o fez. Pouco a pouco os seus pensamentos desviaram-se da confiança de Deus e nasceu dentro dele a desconfiança. Transferiu a confiança que tinha em Deus para a sua própria sabedoria. O que não podia compreender converteu-o num problema de independência.
E desta forma afastou-se de Deus, para confiar em si próprio. Nisto consiste o pecado. Não querer ser guiado pela vontade de Deus, mas pela sua própria vontade.
O amor por Deus e pelos outros é o que predomina no coração. E como isso é o princípio mestre na conduta do reino de Deus, ele, Satanás, estabeleceu outro princípio orientador da vida. A esse princípio chama-se egoísmo, orgulho. Tem origem exclusiva em Satanás. Não tem equivalência em nenhum outro princípio do Universo de Deus. Não se trata da deformação dos princípios divinos, mas uma invenção original de um ser criado.
Ao deixar de ter no coração o amor por Deus e pelos seus semelhantes, centra-se em si próprio, nos seus interesses, nos seus privilégios, pecou. Esta é a essência do pecado e de muitas doenças do foro psicológico.
Nem sempre as possessões demoníacas se revelam através de cenas de carácter sobrenatural, mas de carácter mental. Não estamos a condenar, nem a acusar, mas a verdade é que em determinado momento da vida, houve uma concentração dos interesses de forma muito intensa no eu. A pessoa torna-se autista.
Sabemos que há casos muito particulares e não queremos generalizar, somos conscientes de uma verdade irrevogável, o pecado teve a sua origem no egoísmo. É uma lei universal que “não se pode ao mesmo tempo procurar a sua própria glória e a glória de Deus.”
O pecado é independência de Deus. O que se afasta da autoridade divina toma o seu destino nas suas mãos. Faz a sua própria vontade, faz-se deus, porque a essência de Deus é ser absolutamente livre, independente de tudo e completamente imparcial. Ama a todos e a todos quer de igual modo.
O amor de Deus pelas Suas criaturas não nasceu depois do pecado, mas Deus é amor. A maior prova do amor de Deus manifesta-se no facto de nos amar tal como somos, com as nossas fragilidades e necessidades. Nenhuma outra razão pode explicar o mistério da Cruz.
Ser filho de Deus não é, primeiro que tudo, assumir uma infinidade de compromissos e obrigações. É, sim, deixar-se amar por Deus.
O amor de Deus para connosco, como nosso Pai, é um amor forte e fiel, um amor cheio de compaixão, um amor que nos possibilita esperar a graça da conversão, depois de termos pecado.
Por isso desde a eternidade Deus fez leis e princípios bem objectivos para tudo e para todos. Por isso pecar é transgredir a lei: “Todo aquele que comete pecado, transgride a lei, pois o pecado é a transgressão da lei.” I João 3:4
Deus fez as Suas leis para Ele e para todos. Deus não é arbitrário, não castiga ou pune ou dá o inferno porque não gosta de um ou de outro. Não dá o céu por preferência. Mas porque o ser que Ele criou ama e se deixa amar.
O que se revolta contra o Senhor do Universo, separa-se de Deus, rompe com a Fonte da vida, peca e morre. Pecado é não amar a Deus. Pecar é não servir Deus. É amar-se e servir-se a si mesmo.
A virtude suprema de Deus é o amor abnegado. Esquecimento de si mesmo em favor das Suas criaturas. E é também o atributo mais importante de todos os seres humanos.
Quem não admirou a madre Teresa de Calcutá?
A lei é o que rege as relações no reino de Deus. O universo funciona em sintonia com os ritmos do coração de Deus.
Lúcifer estabeleceu o seu próprio ritmo. Estabeleceu a sua própria lei. Este é o mistério do pecado. Uma lei que se opõe à lei de Deus.
Aprecio um poema de Victor Hugo que diz:
Há seis milénios que a guerra apraz
Aos povos altercadores,
Enquanto Deus, sem perder tempo, faz
As estrelas e as flores.
É bem a atitude de Satanás que vive há seis milénios altercado: “Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu tono; no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte.
Subirei acima das mais altas nuvens; serei semelhante ao Altíssimo.” Isaías 14:13, 14.
Por isto se chama o Conflito dos Séculos, ou Mistério da Iniquidade ao facto de uma criatura conceber a ideia, de lutar para ser igual a Deus, não na santidade, no amor, no exemplo, mas para Lhe usurpar a Preeminência inerente ao Criador. A criatura quer o lugar do Criador!
Essa ambição do coração de Lúcifer causou controvérsia no Céu. Lúcifer tentou ocupar o trono de Deus e seguramente matar Deus. É um mistério incompreensível. Esse conflito que se iniciou no Céu foi arrastado para a Terra e colocou em perigo a existência do Universo.
Deus, na Sua infinita sabedoria, colocou um plano em acção para resolver o problema causado por este Mistério da Iniquidade. A esse plano podemos chamar o Mistério da Piedade: “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele (Deus) que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória.” I Timóteo 3:16
Que Deus, o Criador, por amor, tenha decidido fazer-se homem, encarnar, manifestar-se em carne, é