1 de setembro de 2011

Uma Reflexão Teológica sobre a Oração


A teologia da oração deve examinar a natureza da oração e a sua contribuição para uma melhor compreensão de Deus e o nosso relacionamento com Ele. Isto deve levar-nos primeiro a olhar para os conceitos teológicos que são fundamentais à oração e, em seguida, olhar a oração como uma expressão teológica.

Fundamento Teológico da Oração

A oração tem lugar dentro de um conjunto de crenças teológicas, embora possamos raramente pensar sobre tais crenças. Podemos ter abraçado conceitualmente tais crenças, mas não conectá-las diretamente à oração. Aqui estão alguns desses conceitos.

Oração pressupõe teísmo bíblico. A oração começa com a afirmação de que existe um Deus e que podemos nos comunicar com ele. Esta afirmação teológica imediatamente exclui o deísmo,
segundo o qual Deus é o Senhor ausente ou Criador, que, após terminar seu trabalho de criação, a abandonou. A teologia da oração também descarta o panteísmo, segundo o qual Deus é concebido como um poder impessoal que permeia tudo, inclusive nós. No que diz respeito a oração bíblica distingue-se da meditação oriental, que busca a integração na consciência cósmica, enquanto a oração busca a comunhão com um Deus pessoal.

Uma vez que a doutrina bíblica de Deus é única, a oração cristã é também única de uma forma muito especial. Ela opera dentro de uma compreensão trinitária de Deus. Quando oramos, nos dirigimos ao Supremo com a fé e convicção que cada um deles está ativamente envolvido com a a gente quando elevamos nossas almas a Ele. O Espírito Santo ouve nossas expressões débeis e as articula, a fim de expressar a real intenção do nosso ser (Rm 8:26). Então, o Filho as media para o Pai, que é o objeto da nossa oração (Sl 5:2), e o Pai libera o poder que precisamos em resposta ao nosso pedido. Este ponto de vista específico de Deus fornece um quadro teológico de referência para a oração.

Oração e imanência de Deus. A questão da natureza da presença de Deus dentro de Sua criação permanece teologicamente complexa. Teólogos e filósofos vêm discutindo isso há séculos sem serem capazes de chegar a um entendimento comum. O panteísmo é uma dessas tentativas, mas não é satisfatório, porque sacrifica a pessoa de Deus. O Panenteísmo também é insatisfatório porque concebe Deus como ainda não aqui, mas como um participante no processo de transformação. Contrariamente a essas opiniões, o Deus bíblico é! Ele é o “EU SOU” (Êxodo 3:14). Ele não é só auto-existente, Ele também está aqui conosco. Ele está tão próximo que Ele pode nos ouvir quando oramos (Deut. 4:7; Sl 6:8, 9;. Mateus 6:6).

Em grande medida, o pensamento grego foi responsável por incorporar o conceito de um Deus impassível e sem emoções na teologia cristã. Este Deus não pode nos ouvir, porque Ele era distante. Mas a oração opera dentro da convicção teológica de que Deus está conosco, que Ele experimenta as nossas alegrias, tristezas e medos, e que Ele nos ouve quando nós invocamos o Seu nome (Êx 3:7). Ele não é o Deus oculto dos filósofos, mas o Deus que está tão perto de nós, que podemos tocá-Lo através de nossas orações e Ele pode acariciar-nos através de Sua resposta de amor.

A oração como comunhão com Deus. A comunhão e intimidade que temos com Deus é única, porque através dela podemos entrar em diálogo com a própria origem e fonte da nossa vida. Há realmente uma koinonia profunda na oração. Para que a comunhão seja real e significativa, as partes envolvidas devem ter um centro gravitacional comum que as traz e as prende juntas em uma comunhão de interesses e objetivos. A oração encontra esse núcleo gravitacional na pessoa de Cristo, em quem Deus estava presente reconciliando consigo o mundo (2 Coríntios 5:17).

Quase não entendemos ou compreendemos o que acontece com a mente e a alma humanas, quando, através da oração entramos em comunhão com Deus (cf. Tg 5:19). Neste encontro com Deus através da oração, nossa mente se torna moralmente e espiritualmente renovada, com o nosso ser nutrido e reenergizado, e somos capacitados a nos colocar diante dele para servi-Lo (Lucas 22:32, Atos 6:4;. 1 Tm 2:08). O poder e a graça de Deus, direta e pessoalmente nos chegam através da oração. O coletor de impostos derramou a sua alma ao Senhor e foi para casa justificado diante de Deus, espiritualmente renovado e reforçado (Lucas 18:10-14; cf 21:36). Foi durante a oração que Jesus foi transfigurado diante de alguns dos seus discípulos (Lucas 9:29). Às vezes somos levados tão perto do Senhor que experimentamos uma renovação até mesmo da nossa energia emocional e física (1 Sam 1:10, 18;. Cf 3 João 3).

A oração e o amor de Deus em Cristo. Oração pressupõe que algo ocorreu em um nível cósmico que possibilitou nos mover da inacessibilidade à Deus para a acessibilidade a Ele. Temos aceito como uma realidade inquestionável que Deus, em Seu amor, manifestado na morte redentora e sacrifício de Seu Filho, fez-se acessível para nós. A condição da raça humana mudou de forma radical, graças às conquistas de Cristo por nós. Não estamos mais alienados do templo celestial de Deus (1 Reis 8:49; João 2:7).

A oração e o conflito cósmico. Do ponto de vista da igreja e da família celestial, oferecemos oração a Deus de um mundo de pecado e morte que não tem nem aceito, nem universalmente reconhecido a soberania de Deus. Nossas orações revelam ao universo e as forças do mal que nós temos tomado o lado de Deus no conflito. Dentro dessa definição conceitual e experiencial, a oração pode ser descrita como um ato de rebelião contra as forças do mal. Quando oramos, testemunhamos do fato de que não temos nos apresentado às reivindicações do inimigo, que só reconhecemos a alegação de Cristo sobre nós como Criador e Redentor. Como Daniel, nós escolhemos orar publicamente, antes do universo, a fim de revelar onde reside a nossa verdadeira lealdade (Dn. 6:11).

Através da oração pedimos a Deus que manifeste o Seu poder sobre as forças do mal que se opõem a nosso serviço para Ele. Nós intercedemos pelos outros para que o poder de Deus opere para o benefício dos outros (Rm 15:31;. Cf. Col. 4:3;. Hebreus 13:18, 19). Podemos orar, pois sabemos que Cristo foi vitorioso sobre os poderes do mal e que Sua vitória agora é pela fé a nossa vitória. A oração não é uma cruzada contra o inimigo, mas a apropriação da vitória de Cristo sobre ele através da comunhão com o nosso Salvador. Nós nos aproximamos de Deus em oração, não porque nós tememos o inimigo, mas porque queremos ter comunhão com Deus, que através de Cristo já derrotou o inimigo. Fora que pela comunhão com Ele através do sangue de Cristo, nós vencemos pela apropriação de Sua vitória.

Expressão Teológica da Oração

Qual é o significado teológico da oração? Qual a contribuição que a oração faz a nossa compreensão da obra gloriosa de salvação que Cristo alcançou para nós? A oração se torna um tema de reflexão teológica em relação com a obra redentora de Cristo. A oração não pode ser separada da obra de salvação de Cristo. Orar não é simplesmente falar com Deus, tão importante quanto isto seja, é também um ato religioso através do qual nós proclamamos a nossa necessidade e dependência constante da obra redentora de Cristo por nós. A oração é fundamentalmente uma re-presentação da boa notícia da salvação. Os elementos chave do evangelho são incorporados no próprio ato e experiência da oração.

Oração e necessidade. Em sentido restrito, a oração bíblica parece ser motivada pela necessidade temporal, emocional, e necessidades espirituais. Na verdade, a oração, gira em torno da necessidade. A oração de louvor antecipa uma necessidade, ou responde a uma necessidade que foi ou será satisfeita. Nas orações de agradecimento, expressamos a gratidão pelas bênçãos de Deus através do qual as nossas necessidades foram atendidas.

Com a necessidade também como uma parte intrínseca do nosso ser, a oração nos convida a reavaliar nossa auto-percepção e reconhecer que estamos por natureza em constante necessidade. Nós precisamos dos outros, e precisamos de uma abundância de outras coisas, a fim de compreendermos a nós mesmos e desenvolvermos o potencial que Deus nos confiou. Este é particularmente o caso em um mundo de pecado e morte, em que nosso próprio ser está quase, se não sempre, sendo ameaçado. Esta tomada de consciência profunda da necessidade traz-nos de joelhos diante do Pai em oração.

É aqui que a oração começa a revelar seus profundos laços com o evangelho da salvação através de Cristo. A obra de Cristo por nós, pressupõe que os seres humanos estavam em desesperada necessidade de salvação. Esta foi a nossa necessidade última e suprema. Cada outra necessidade é, em certo sentido, um tipo ou, talvez melhor, um sinal dessa importante necessidade de reconciliação com Deus, profundamente oculta no coração humano. O pecado tende a entorpecer a suprema necessidade da alma, enganando os pecadores e levando-os a concluir que eles não têm que orar porque eles não têm necessidades. Mas todos nós temos necessidades.Todas as nossas necessidades podem ser atendidas, porque a necessidade fundamental de resgate já foi provida. Conseqüentemente, quando trazemos nossas necessidades a Deus, estamos proclamando que a necessidade da nossa alma para a união com Deus já foi satisfeita através de Cristo. A oração mantém viva em nossa vida espiritual, a consciência da nossa necessidade de constante dependência do evangelho da salvação pela fé em Cristo.

Oração e auto-suficiência. A Oração exclui a auto-suficiência e tem suas raízes, na humilde concepção que nos falta o conhecimento, poder e até mesmo a disposição para suprir nossas necessidades pessoais. Oração pressupõe que quando se trata de nossa plena realização, somos impotentes, incapazes de dominar a criação e nossas vidas. Nós não somos auto-suficientes. Sem essa convicção de insuficiência, a oração se tornaria quase irrelevante.

Esta convicção não reside apenas na base de nossas orações, mas sobretudo na própria essência do evangelho. O evangelho pulveriza as nossas pretensões de auto-suficiência, nos humilha, e lança por terra os nossos egos inflados. O evangelho nos ilumina, permitindo-nos perceber a nossa verdadeira condição, não apenas como criaturas carentes, mas principalmente como seres que são incapazes de ajudar a si mesmos. A incapacidade que enfrentamos em atender às nossas necessidades nos move a orar e aponta para a insuficiência total que experimentamos quando confrontados pela primeira vez com o evangelho da salvação em Cristo.

A Oração e a auto-suficiência de Deus. A oração é baseada na convicção de que Deus prevalece como o único que pode suprir as nossas necessidades. Segundo a Bíblia, aqueles que oram, fazem uma descoberta significativa da suficiência de Deus. Assim, com Deus como o único objeto de nossas orações, Ele se torna o nosso parceiro no diálogo. Portanto, oramos como um ato de adoração através do qual expressamos a convicção maravilhosa que a suficiência de Deus supera toda nossa insuficiência. Consequentemente, não precisamos oferecer orações às forças espirituais que concorrem para o nosso serviço. A oração cristã proclama que só Deus tem a capacidade de prover amplamente todas as nossas necessidades.

O evangelho enfatiza de forma única o fato surpreendente que somente Deus pode nos tirar da nossa condição de necessitados, da nossa condição de impotência. Quando oramos, não só reconhecemos a Deus como o único que pode suprir as nossas necessidades, mas também afirmamos que Ele providenciou nossa libertação do poder do pecado e da morte, mesmo antes de pedirmos a Ele. Ele proveu abundantemente para nós (Rm 5:21).

Oração e mediação. Cristo nos ensinou de uma forma única o valor da oração, porque Ele, pessoalmente, praticou constante comunhão com o Pai através dela. Ele sabia que o pecado tinha nos alienando de Deus, mas Ele também sabia que o Pai queria ter comunhão conosco. Ele anunciou que, em sua própria pessoa um canal de comunicação foi criado para colmatar o fosso entre nós e Deus (João 16:23;. Cf 14:13, 14). A mediação do Filho não pressupõe falta de vontade da parte do Pai para nos escutar. Antes pressupõe uma vontade divina de ter tão intensa comunhão conosco que Ele criou um meio pelo qual Ele pode nos ouvir, apesar do nosso pecado (Salmos 69:13; 4:1). Como nosso Sumo Sacerdote, Cristo se identifica com as nossas necessidades e alegrias e enche as nossas orações com celeste eficácia.

Sempre que oramos em nome de Jesus, reafirmamos nosso compromisso com a boa notícia da salvação através da mediação do Filho. Foi através de Sua morte sacrificial na cruz que Deus mediou para nós o Seu amor reconciliador. O mistério da operação mais profunda é imortalizado no ato da oração, na qual estamos constantemente a reconhecer que Ele “vive sempre para interceder por nós” (Hb 7:25).

A oração e a vontade de Deus. Quando oramos, não pode haver um conflito de vontades. O que pensamos que precisamos e o que Deus sabe que precisamos nem sempre coincide. Por isso Jesus nos ensinou a orar “Seja feita vossa vontade assim na terra como no céu ” (Mt 6:10). Esta dimensão da oração abre o mistério da chamada “oração sem resposta”. Através dos pedidos que não foram concedidos a nós exatamente como queríamos, o Senhor estava revelando-nos que, mesmo em seu diálogo com a gente ele continua a ser o soberano Senhor. A forma bíblica de resolver um eventual conflito de vontades, na experiência da oração é para o ser humano se curvar diante da vontade de Deus para nós. A oração da fé não se caracteriza apenas pela firme convicção de que Deus sempre escuta as nossas orações, mas também pela convicção igualmente importante que Deus sempre vai procurar o nosso bem.

Neste ato de ajustar e até de renunciar nossas expectativas e planos à vontade de Deus quando oramos, estamos simplesmente recordando o momento quando rendemos nossa vontade a Ele através do arrependimento, confissão e conversão. Daquele momento em diante começamos a caminhar em novidade de vida, de acordo com a vontade de Deus para nós. Nos submetemos a Ele, porque através do trabalho do Espírito em nossos corações estávamos absolutamente convencidos de que a Sua vontade para nós era sempre boa. Na entrega de nossa vontade, a oração e o evangelho se cruzam.

A oração como uma resposta. A oração não inclui apenas o falar com Deus, mas também proclama nossa dependência dEle, como uma resposta do nosso amor ao agir salvífico de Deus em Cristo. Consequentemente a oração não é só pedir, mas também elogiar, agradecer, bendizer a Deus por Sua bondade, lealdade e misericórdia para conosco. Mas de uma forma muito particular, a oração e o evangelho se juntam quando dobramos os joelhos e pedimos perdão. Este é o objetivo do evangelho, porque neste momento desaba o orgulho humano, e estamos prontos para receber do Senhor o que realmente precisávamos, perdão dos pecados.Toda oração é um eco vivo deste momento.

A oração se manifesta como uma resposta à misericórdia amorosa de Deus. A mente e a razão, as nossas emoções e nosso corpo estão todos envolvidos na oração, e através de cada um desses aspectos de nosso ser, a oração apresenta-se como uma resposta à presença e a bondade de Deus.

Conclusão

A oração integra a teologia e a prática da devoção pessoal à Deus de uma forma que talvez nenhum outro ato de adoração pode. Enquadrada dentro de alguns dos mais profundos temas teológicos na teologia cristã, representa nosso primeiro encontro com a boa notícia da salvação em Cristo. A oração é essencialmente uma proclamação desse evangelho, uma incorporação ritual do mesmo no ato de adoração ao Senhor.

Texto de autoria de Ángel Manuel Rodríguez, publicado na Revista Ministry Magazine