17 de julho de 2012

A Lei de Deus aos Romanos

O tema desta epístola é a vivência generalizada da permissividade entre os homens e a abrangência universal da graça de Deus, sendo esta última o único meio pelo qual os pecadores podem ser perdoados e restaurados à perfeição e a santidade. A graça é obtida unicamente pela fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que morreu, ressuscitou e vive eternamente para reconciliarmos e restabelecer-nos aos propósitos originais instituídos na criação.1

Quando Paulo escreveu esta carta, em sua mente sobrevinha os problemas que surgiram em seus conflitos com os judaizantes(a). Ele inicia sua análise (capítulos 1 e 2) ocupando-se das questões básicas, e discorre de forma ampla o problema do pecado e o plano de Deus para combatê-lo. Demonstra que todos os homens (judeus e gentios) pecaram e continuam afastados de Deus, e esclarece que não há desculpa para este afastamento, porque todos sem excepção, tiveram a oportunidade de conhecer a Deus e os Seus ensinos em algum momento das suas vidas (Romanos 1:20-22).

Assim, todos estariam com devida justiça sob condenação se não fosse a graça de Deus, pois o homem é completamente incapaz de se libertar por si mesmo de sua condição pecaminosa; não possui em si, a natureza que o conduza a obedecer a vontade de Deus (Romanos 8:5-9). Paulo destaca ainda que, as tentativas legalistas de obedecer a lei resulta em fracasso, além de evidenciar a arrogância gerada pela busca de uma justiça própria sem o reconhecimento da debilidade e necessidade de um Salvador, Jesus Cristo.

"Aquele que procura tornar-se santo por suas próprias obras, guardando a lei, tenta o impossível. O erro
oposto e não menos perigoso é o de que a crença em Cristo isente o homem da observância da lei de Deus."2

Tudo o que se pede do homem é que exerça fé. Fé para aceitar as condições necessárias para alcançar o perdão de um passado pecaminoso, e fé para receber o poder que se oferece para levá-lo a uma vida de retidão.

A carta aos romanos responde a pergunta dos séculos: "Como se justificará o homem com Deus?" (Jó 9:2). Ninguém pode julgar-se justo se não se justificar com o Criador (Isaías 1:18; Isaías 43:25-26). Nos escritos aos romanos é revelado a maneira como Deus leva o homem a justificação. Os principais versos desta carta são Romanos 1:16-17, sendo os demais uma dissertação sobre eles. Paulo apresenta a aplicação prática do Evangelho de Cristo e expõe a relação harmoniosa entre a lei e a graça.

Restringirmo-nos, no entanto, a analisar alguns versos dentro do contexto em que eles estão inseridos; diferentemente daqueles que os avaliam de forma isolada com o objetivo de manter crenças pessoais que não correspondem aos ensinos das Escrituras Sagradas, como por exemplo, acreditar que lei de Deus foi anulada pela graça(b).

ROMANOS 7:6
"Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra."

O capítulo 7 descreve a experiência da pessoa regenerada pelo Espírito Santo (Romanos 5:5 cf João 14:25-26) e, embora muitos sejam despertados para sua condição pecaminosa, não passam pelo processo de conversão e continuam mantendo a antiga vida de pecado. Nele descreve-se claramente da luta com as tendências pecaminosas e os desejos da carne, uma batalha incessante entre a velha natureza e a nova. O capítulo descreve vividamente o que ocorre no coração humano (Romanos 7:7-25).

A expressão "libertados da lei" se refere ao está livre da condenação que ela impõe aos seus transgressores pois, a violação dela é pecado e a punição é a morte.3 Na narrativa deste capítulo é dito:
"Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado. Outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou.

Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno. Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado." (Romanos 7:7-14 cf I Coríntios 15:56).

A lei é espiritual, mas o homem carnal envolvido com seus pecados não se considera sujeito à ela. O homem carnal transgride a lei porque é carnal e não se submete a orientação do Espírito Santo.4

"Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele." (Romanos 8:7-9)

"O homem rouba e a lei diz: 'Não furtarás'. Quando porém este homem se converte, deixa de roubar; passa da esfera carnal para a espiritual, que é a própria esfera da lei de Deus, e então ela deixa de acusá-lo de roubo. Todavia, se um dia esse homem voltar a roubar, novamente a lei tornará a acusá-lo: 'Não furtarás' ['sobreveio o preceito, reviveu o pecado' - Romanos 7:9]. A lei não perde o valor quando o homem se converte. Ela simplesmente não terá domínio sobre ele, não o acusará enquanto com ela viver em obediência; está pessoa estará 'livre da lei', ou seja, livre da sua condenação."5

"Paulo frisou especialmente os profundos reclamos da lei de Deus. Mostrou como ela alcança os íntimos segredos da natureza moral do homem, derramando um dilúvio de luz sobre aquilo que tem estado oculto à vista e ao conhecimento dos seres humanos. (...) A lei esquadrinha seus pensamentos, motivos e propósitos. As perigosas paixões que permanecem ocultas à vista dos homens, a inveja, o ódio, o sensualismo, a ambição, as propostas perversas nos profundos recessos do coração, ainda não executadas por falta de oportunidade - tudo isso a lei de Deus condena."6

ROMANOS 9:30-33*
"Que diremos, então? Os gentios, que não buscavam justiça, a obtiveram, uma justiça que vem da fé; mas Israel, que buscava uma lei que trouxesse justiça, não a alcançou. Por que não? Porque não a buscava pela fé, mas como se fosse por obras. Eles tropeçaram na 'Pedra de tropeço'. Como está escrito: 'Eis que ponho em Sião uma Pedra de tropeço e uma rocha que faz cair; e aquele que n´Ela confia jamais será envergonhado'."

Confiante em seu próprio "mérito", Israel buscava seguir a lei, mas não teve sucesso em cumpri-la. A razão desse fracasso é que a justiça baseada na lei exige uma observância perfeita de seus preceitos, e o pecador em sua própria natureza, não possui capacidade para isso. Portanto, os judeus não puderam chegar aos ideais prescritos pela lei, e nem alcançaram a devida justiça por ela exigida porque depuseram em si mesmos a capacidade para satisfazer as suas exigências (Romanos 10:1-3).

Pretendiam ser justos confiando em suas obras, agiam apenas por formalidade. Tentaram deste modo o impossível (cf Romanos 2:25-29; Romanos 3:19-20). A justiça só se pode conseguir por fé. Porém, ela não anula a Lei de Deus:
"Anulamos, pois, a lei pela fé? De modo nenhum; antes estabelecemos a lei." (Romanos 3:31)

"Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo? (...) a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: 'Tu tens fé, e eu tenho obras'; mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. (...) Vedes então que é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé." (Tiago 2:14-24 cf Romanos 2:13)

"Fé e obras" sempre estiveram juntas complementando-se (Tiago 2:22). Todo pecador que tenta justificar-se meramente por obras, tropeçará, cairá e se ofenderá (I Pedro 2:1-8). Cristo veio para trazer a Sua justiça aos que a aceitassem pela fé. Os que a procuravam de outra forma escandalizaram-se com Cristo e Sua mensagem (Mateus 15:12-14; Isaías 8:12-14). Os israelitas tão assegurados estavam no conceito deturpado de que a justiça podia ser obtida unicamente por obras que abertamente se opuseram contra Jesus e finalmente O assassinaram (João 6:41-66; Marcos 11:15-18).

A culpa não era da "Pedra" (Jesus Cristo), mas, da atitude daqueles que rejeitavam os Seus ensinos (Isaías 53:1-3). "Cristo crucificado" era um "tropeço" para os judeus e "loucura" para os gentios, mas era "poder" e "sabedoria de Deus" para os que O aceitavam (I Coríntios 1:22-25). Ele é Pedra de tropeço para os infiéis e desobedientes, contudo, Pedra preciosa para os que guardam os mandamentos de Deus baseados na fé (Apocalipse 14:12 cf I João 2:1-7).

"Paulo sempre exaltou a lei divina. Ele havia mostrado que não há poder na lei para salvar os homens da penalidade da desobediência; que os pecadores precisam arrepender-se de seus pecados, e humilhar-se perante Deus. Precisam também exercer fé no sangue de Cristo como o único meio de perdão. Mediante arrependimento e fé podiam ficar livres da condenação do pecado, e pela graça de Cristo ser capacitados daí por diante a render obediência à lei de Deus."7

Somente pela fé em Jesus pode o homem atingir verdadeiramente as exigências que a Lei de Deus requer. Os judeus exaltavam a lei e não exerciam a fé em Cristo, e hoje, inversamente, os cristãos dizem exercer a fé em Cristo enquanto anulam a lei. E nos "bastidores" está Satanás, aplaudindo ambos os lados.

ROMANOS 10:4
"Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê."

A palavra "fim" utilizada é traduzida do grego "telos" (original grego) e, neste verso, tem o significado de: propósito, objetivo, finalidade, meta. Em Romanos 10:4, ela não é empregada no sentido de "cessar", "terminar" ou "abolir". A aplicação de "telos" indicando propósito ou intenção é observada também em I Pedro 1:9: "Obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma." E obviamente que a salvação da alma não anula ou finda a fé; mas Pedro demonstra que a fé tem como finalidade (desígnio, intuito) alcançar a salvação, assim como Paulo ensina que a lei tem a finalidade de nos conduzir a Cristo para obter o perdão dos nossos pecados, isto é, obter a graça (cf Gálatas 3:24).

O próprio Paulo na carta aos Romanos afirma que a "fé" em Cristo e, a confiança em Sua "graça", não invalidam a lei.8 Cita-a ainda como a norma da justiça de Deus ao julgar os pecadores (Romanos 2:13 cf Romanos 4:15).

"A lei de Deus é o espelho que apresenta um reflexo completo do homem como ele é, lhe expõe a imagem correta. Alguns darão meia volta e esquecerão esse quadro, ao passo que outros empregarão nomes injuriosos contra a lei, como se isso curasse seus defeitos de caráter. Outros ainda que condenados pela lei se arrependerão de suas transgressões e, pela fé nos méritos de Cristo, aperfeiçoarão o caráter cristão."9

"Não admira que os transgressores da lei de Deus no tempo presente se afastem dela o máximo possível, pois ela os condena. Os que afirmam que os Dez Mandamentos foram abolidos na crucifixão de Cristo encontram-se num engano análogo ao dos judeus. O ponto de vista de que a lei de Deus é rigorosa e insuportável constitui um desacato Àquele que governa o universo de acordo com os Seus santos preceitos. Há um véu(c) sobre o coração dos que sustentam esse ponto de vista ao lerem tanto o Antigo como o Novo Testamentos. O castigo pela menor transgressão dessa lei é a morte, e se não fosse Cristo, o Advogado do pecador, ele seria aplicado sumariamente a todo ofensor. A justiça e a misericórdia se acham mescladas. Cristo e a lei permanecem lado a lado. A lei condena o transgressor e Cristo intercede pelo pecador."10

ROMANOS 14:5
"Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente."

Este verso é usado de maneira indevida com intuito de alegar que Deus anulou a observância sabática no sétimo dia da semana e que, não há importância em que dia devemos reservar de maneira exclusiva e especial para Deus (Génesis 2:2-3 cf Êxodo 20:8-11). Primeiramente, Paulo não está se referindo ao sábado descrito no 4.º mandamento, mas, aos dias especiais de celebração (d) e de jejum (e). Estes dias causavam dúvidas e até mesmo desavenças entre os cristãos romanos, semelhantemente ao que ocorrera nas igrejas de Galácia (Gálatas 4:10-11) e Colossos (Colossenses 2:16-17).

Os termos "diferença" e "julga" são traduções do verbo grego "krino" (original grego) que denota: Aprovar, considerar, decidir, determinar, escolher, preferir, separar. E as recomendações de Paulo eram que, aqueles cuja a fé lhes permitiam abandonar de imediato os dias específicos vinculados as questões cerimoniais não deviam desprezar os demais que as mantinham; e estes por sua vez não deviam criticar àqueles por suas decisões. Cada cristão é responsável por si próprio perante Deus (Romanos 14:10-12). O que Deus espera é que cada um "tenha opinião bem definida em sua própria mente" daquilo que acredita e segue, pois prestará contas por suas convicções (Eclesiastes 12:13-14 cf Hebreus 4:12-13). O cristão é exortado a proceder cuidadosamente de acordo com a luz que recebeu e entendeu, pois a sua fé deve está firmemente alicerçada: "A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova." (Romanos 14:22).

Entre os seguidores de Cristo nada deve fazer-se pela força nem por imposição. Sempre deve prevalecer um espírito de amor e tolerância compreensiva. Os que são mais fortes na fé devem suportar as fraquezas dos mais fracos (Romanos 15:1), bem como Cristo levou as fraquezas e debilidades de todos (Isaías 53:4-6). Não há lugar para a crítica que emana da justiça própria e cujo ponto de vista e prática pareçam serem superiores a de outros.

Na Didajé 8:1, documento cristão não canónico do século II, faz-se a seguinte advertência: "Vosso jejum não seja feito em comum com os hipócritas, porque eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana; mas vocês jejuais no quarto dia e no dia da preparação [sexta-feira]." (CBASD, vol. 5, p. 826). Sabe-se que o jejum se praticava nas segundas e quintas-feiras, especialmente nas sete semanas que decorriam entre a Páscoa e Pentecostes, e nos dois meses que separavam o fim da "festa do tabernáculo" do início da "festa da dedicação" (Levítico capítulo 23:33-36; João 10:22). Alguns cristãos jejuavam nas quartas e sextas-feiras para não serem confundidos com os judeus que jejuavam nas segundas e nas quintas-feiras.

Referencias:
1. Isaías capítulo 3; Romanos 5:1-2; Romanos 8:19-23; I João 2:1-4; Ezequiel 18:23-32 cf Ezequiel 33:11.
2. WHITE, E. G. Caminho a Cristo, p. 60.
3. I João 3:4; Romanos 4:15; Romanos 7:7; Romanos 6:23.
4. João 14:25-26; Isaías 30:21 cf Hebreus 10:16-17; I João 5:1-5.
5. GONZALEZ, L. S. Assim Diz o Senhor, 5.ª ed., 1993.
6. WHITE, E. G. Atos dos Apóstolos, sec. IV, cap. 39, p. 424.
7. Ibidem, cap. 37, p. 393.
8. Romanos 3:31, Romanos 6:15 cf Romanos 7:7, I João 3:4.
9. WHITE, E. G. Fé e Obras, p. 31.
10. Ellen G. White, Signs of the Times, 25 de agosto de 1887.