21 de fevereiro de 2014

JESUS E OS SÍMBOLOS DO APOCALIPSE

Jesus viveu num tempo quando a esperança judaica de uma pronta vinda do Messias político se intensificou grandemente. Uma quantidade de escritos apocalípticos, sob nomes falsos ou pseudónimos, circulavam com grande profusão, e mantinham a esperança messiânica candente aplicando a mensagem do juízo de Daniel e de outras passagens proféticas ao seu próprio tempo e situação. Os títulos de algumas destas obras pseudoepigráficas são: 4 Esdras, 1 Enoc, Apocalipse de Baruque, Livro dos Jubileus.

Os termos "apocalíptico" e "apocalipticismo" foram usados mais tarde pelos eruditos para indicar as escatologias especulativas e contraditórias contidas nesses escritos do judaísmo tardio. As três características dominantes desse apocalipticismo judeu foram as seguintes: (1) O juízo cósmico-universal em torno do Israel nacional ou a um fiel remanescente judeu; (2) a substituição súbita da presente era pecaminosa pela criação de um mundo sem pecado e um novo cosmos; e (3) o fim predeterminado deste mundo pecaminoso e a vinda iminente do Messias. Esta urgência frequentemente estava apoiada por cálculos contraditórios de períodos de tempo na história mundial.

A maioria dos escritores apocalípticos acreditavam que o fim desta era pecaminosa estava perto, e que ocorreria em sua geração. Também acreditavam que eles eram os verdadeiros intérpretes dos profetas canónicos de Israel com respeito à sua própria crise. Um exemplo notável foi a comunidade de Qumran, cujo fundador e professor ensinou que a predição de Habacuque de um remanescente do povo de Deus que sobreviveria (Hab. 2:4) estava cumprindo-se em sua própria e única seita nas cavernas do Mar Morto.
Contra o fundo desta esperança iminente comum do judaísmo do século I de nossa era, o emprego que Jesus fez de alguns símbolos apocalípticos bem conhecidos chega a ser mais significativo. Mostra o enfoque inovador da mensagem do evangelho que proclamou Jesus. Cristo deu novo significado a termos apocalípticos tão populares como: "Filho do Homem", "juízo", "vida eterna e ressurreição", "reino de Deus", "esta era e a era por vir". Todas estas expressões eram mais ou menos termos técnicos nos esquemas apocalípticos do judaísmo tardio. A mensagem de Jesus surpreendeu os judeus de seu tempo porque deu a cada símbolo apocalíptico um novo significado messiânico ou cristocêntrico que despedaçou seus sistemas
escatológicos. Os odres velhos não podiam conter o espumoso vinho novo de sua mensagem de um cumprimento presente em si mesmo (ver Luc. 5:37, 38).

A conexão mais dramática do Jesus com o livro do Daniel e os escritos judeus tardios foi sua autodesignação explícita como "o Filho do Homem" (65 vezes nos Evangelhos sinópticos e 12 vezes no quarto Evangelho). Ele se aplicou este titulo em forma consistente. Era a forma própria como Jesus se referia a si mesmo. O emprego extraordinário que Jesus fez deste símbolo convenceu em forma geral à erudição bíblica de nosso tempo de que Cristo adotou o termo apocalíptico "um como o filho de homem", da visão do Daniel 7:13 e 14, e o elevou a um título messiânico. As similitudes do livro 1 Enoc 37-71 e a sexta visão em 4 Esdras 13 (ambos os documentos pós-cristãos) refletem como alguns círculos apocalípticos judeus interpretavam o personagem daniélico "filho de homem": um Messias preexistente e celestial que viria à terra como o Juiz de toda a humanidade e governaria sobre um novo reino terrestre.

A questão é: Como empregou Jesus o título e o que contido colocou nesta expressão apocalíptica, o "Filho do Homem"? Jesus explicou que seus milagres de cura ele os fez com um propósito mais elevado: "Para que saibam que o Filho do Homem tem potestade na terra para perdoar pecados" (Mar. 2:10). Mas, como pôde ser Jesus ao mesmo tempo o humilde Filho do Homem e o glorioso ser preexistente da visão de Daniel? O mistério se intensificou quando Jesus começou a dizer que o Filho do Homem celestial "devia" sofrer e ser morto, e que ressuscitaria depois de três dias (Mar. 8:31; 9:31; 10:33, 34).
Entretanto, sua declaração mais profunda foi: "Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate por muitos" (Mar. 10:45). Aqui Jesus se identificou com o servo sofredor de Isaías 53, que morreria para o benefício de todos. Ao fazê-lo, Jesus fundiu o servo sofredor da profecia de Isaías com o Filho do Homem da visão do Daniel. Por assim dizê-lo, esvaziou o conteúdo do servo sofredor no personagem apocalíptico do Filho do Homem. Tal combinação de dois personagens messiânicos em profecia era desconhecido. Aos judeus parecia algo completamente paradoxal. Foi a ideia criadora de Jesus introduzir esta reinterpretação radical do Filho do Homem daniélico. Cristo viu sua missão como Messias em forma completamente diferente a todas as expectativas messiânicas no judaísmo. Colocou sua missão de um Messias sofredor e moribundo dentro da estrutura apocalíptica de Daniel. Entretanto, a maior surpresa dos judeus foi o escutar que este humilde filho de um carpinteiro afirmava ser o apocalíptico Filho do Homem, não só em seus dias, mas também no juízo final. Considere estas afirmações de Jesus (as ênfases são minhas):
"Porque o que se envergonhar de mim e de minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do Homem se envergonhará também dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos" (Mar. 8:38).

"Então verão o Filho do Homem, vindo sobre as nuvens com grande poder e glória" (13:26).
"Tornou a interrogá-lo o sumo-sacerdote e lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu" (14:61, 62).

Nestas declarações dramáticas, Jesus afirmou que a profecia do Daniel 7 até esperava seu cumprimento futuro e apocalíptico quando Deus julgue a todos os homens, mas que o Filho do Homem daniélico já tinha aparecido com outro propósito: trazer salvação da escravidão do pecado. Cristo declarou claramente que ele, como o Filho do Homem, tinha descido "do céu" (João 3:13), e que "os anjos de Deus... sobem e descem sobre o Filho do Homem" (1:51). Dessa maneira Cristo ensinou que tinha estabelecido em Israel uma nova comunicação entre o céu e a terra por sua autoridade divina (3:31; 6:62). Isto também envolve sua missão para julgar ao Israel em nome de Deus: "E [Deus] também lhe deu autoridade de fazer juízo, porquanto é o Filho do Homem" (5:27), embora o propósito da primeira vinda do Jesus foi explicitamente salvação e não juízo no sentido de condenação (3:17; 12:47).

Não obstante, João pôde também informar que Jesus veio ao mundo para um juízo presente: "Para juízo vim eu a este mundo; para que os que não vêem, vejam, e os que vêem, sejam cegados" (João 9:39). Esta classe de juízo ou processo de sacudidura era inerente ao oferecimento da salvação de Cristo, oferecimento que implica necessariamente juízo. Os que rechaçam o dom de Deus de Jesus o Messias, pronunciaram indevidamente seu próprio juízo. Escolheram ser condenados. O evangelho de Cristo separa aos que aceitam o oferecimento da graça daqueles que o rechaçam (ver João 3:18-21; 5:24). A presença de Cristo produz um tempo escatológico de decisão, e esse tempo é agora. Cada pessoa está compelida a rechaçá-lo ou a reconhecê-lo, e assim determina de antemão o veredicto do juízo final sobre si mesmo. Cristo considera como de importância decisiva o que o confessemos como o Filho do Homem. Por isso, ao cego a quem tinha sarado perguntou: "Crês tu no Filho do Homem?" (João 9:35). Desse modo Jesus deu a tal pessoa uma revelação mais elevada de si mesmo. Jesus revelou que era o Messias celestial de que se falava no livro de Daniel, que viria nas nuvens do céu ao "Ancião de dias" para receber a glória e o domínio e o reino sobre todos os povos (Dan. 7:14). Este conhecimento conduz a uma fé mais amadurecida em Jesus.

O ponto importante nos quatro Evangelhos é a mensagem em que Cristo se referiu à missão do Filho do Homem em uma forma dupla: com respeito a um cumprimento presente e terreno, e também a uma consumação cósmica futura. Em outras palavras, Cristo explicou que o apocalíptico Filho do Homem de Daniel teve um cumprimento histórico em salvação e juízo desde seu humilde primeiro advento, enquanto também olhou para o futuro, à consumação em salvação e juízo em seu segundo advento. Em resumo, o juízo de Deus, a vida eterna e a ressurreição por meio do Filho do Homem são tanto presente como futuras. Esta dupla aplicação está expressa no Evangelho de João por meio desta frase peculiar:

"Vem a hora, e agora é, quando os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. Porque como o Pai tem vida em si mesmo, assim também deu ao Filho o ter vida em si mesmo" (João 5:25, 26; ver também 4:23 e 16:32).
Quão surpreendente é que Jesus ensinasse que não é suficiente crer que haverá uma ressurreição no último dia, como se promete em Daniel 12:2. Sua nova mensagem foi: "Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo o que vive e crê em mim, não morrerá eternamente" (João 11:25, 26). Em outras palavras, a vida futura no glorioso reino de Deus está à nossa disposição pela fé em Cristo agora como uma qualidade espiritual de vida.

Um emprego duplo similar da terminologia apocalíptica pode ver-se na forma em que Jesus aplica os conceitos do reino de Deus e sua "era" (aion) correspondente. Ambas ideias estão combinadas na proclamação de Jesus: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho" (Mar. 1:15; cf. Mat. 3:2; 4:17; 5:17). O chamado de Cristo parece estar motivado por uma urgência apocalíptica da vinda do reino de Deus, e muito bem pode estar inspirado na profecia de tempo messiânico das 70 semanas do Daniel 9. (Particularmente Daniel 2 e 7 prometem a vinda do reino de Deus; Dan. 2:44, 45; 7:27.)

O conceito de Jesus do reino universal de Deus também era parte das Escrituras. Estas ensinavam que Jeová, o Deus de Israel, é agora Rei e chegará a ser Rei no futuro "sobre toda a terra" (Núm. 23:21; Deut. 33:5; Sal. 103:19; Isa. 6:5; Dan. 2:44; 4:3; Isa. 24:23; Zac. 14:9). Além disso, os profetas haviam predito que um filho de Davi chegaria a ser o Rei de Israel e que, como o Messias do mundo, representaria o governo régio de Jeová para sempre (2 Sam. 7:12-16; Sal. 2:7-9; 132:11-18; Isa. 9:7; 11:1-5; Miq. 5:2; Dan. 7:14, 27).

Como já indicamos no capítulo I, o judaísmo farisaico tinha desenvolvido a esperança de que nos últimos dias o Messias viria no tempo indicado por Deus, subiria ao trono de Israel e por seu poder quebrantaria aos príncipes injustos, purificaria a Jerusalém de gentios, quebrantaria toda sua solidez com vara de ferro e, por último, submeteria todas as nações da terra a seu governo.

Na pregação de Cristo, o reino de Deus foi o conceito principal. Seu ensino do reino de Deus, sua proximidade, tal como está representada por sua própria vida, seu ministério de cura e seu domínio sobre os demónios, revolucionaram o apocalipticismo judeu que tinha perdido toda esperança de que Deus reinasse no presente histórico. O primeiro advento de Cristo não foi o fim do tempo a não ser o poder régio de Deus que pôde "atar" a Satanás e liberar os homens do poder do mal (ver Mat. 12:29). Jesus insistiu em afirmar que nele o reino dos céus se aproximou como uma soberania espiritual de Deus que agora estava ativa em seu oferecimento messiânico de graça e seu domínio sobre os demónios; uma realidade totalmente diferente do que esperavam os rabinos judeus e os escritores apocalípticos, pois seu reino não era deste mundo (João 18:36).
Em resumo, a mensagem de Jesus é que em sua própria pessoa Deus invadiu a história humana e triunfou sobre o mal. Ao mesmo tempo, Cristo ensinou que a liberação final viria no fim do tempo, em sua segunda vinda (Mat. 6:10; 13:41-43; 16:27; 19:28; 25:31).

A nova ideia que Jesus apresentou foi que tanto no presente como no futuro reino de Deus ele intervém como Filho do Homem, e em conexão com isto aplicou a terminologia apocalíptica de "as duas eras" à sua nova estrutura escatológica. Enquanto que os apocalipticistas conceberam um dualismo claro de duas eras ou períodos nos quais a futura era isenta de pecado substituiria por completo a esta era pecaminosa, Cristo ensinou que com seu ministério tinha começado a era messiânica e a salvação. Ao mesmo tempo reconheceu que "a era vindoura" começaria só com a ressurreição dos mortos (Luc. 20:34-36).

A identificação por parte do Jesus da era messiânica com "esta era" (Mar. 10:29, 30) destruiu a ideia básica da doutrina das duas eras dos apocalipticistas. A ênfase de Cristo em sua mensagem foi chamar o arrependimento (metanoia) e aceitá-lo como Senhor e Messias (Mat. 4:17; 19:21), condição básica para entrar no reino de Deus no momento presente. Desta forma, a paz e o gozo messiânicos serão experimentados já agora na alma (João 15:11; 16:33). Esta tensão entre a escatologia inaugurada e a escatologia apocalíptica, entre o reino da graça e o reino da glória, entre o "já" e o "ainda não", é característica da mensagem do evangelho do Novo Testamento em sua totalidade.
O evangelho não é simplesmente as boas novas a respeito da obra de Cristo no passado ou no futuro. Os poderes da era vindoura já invadiram esta era em forma dramática desde o Pentecostes, e agora os verdadeiros crentes "provam" dos poderes do século vindouro mediante Cristo (Heb. 6:5). Esta verdade do evangelho dissipa o desespero do apocalipticismo judeu. Os apóstolos afirmaram que a história da salvação entrou agora na era messiânica, ou os "últimos dias", no qual o poder libertador do Espírito de Deus está totalmente à disposição de todos os que se encontram em Cristo Jesus (Heb. 1:1, 2; At. 2:17-39).


Hans K. LaRondelle