O que levou o escritor a traduzir João 1:1 em apoio da
doutrina da Trindade? Foram as ‘escrituras que o informaram’ para fazer assim?
Isso é impossível, porque a doutrina da Trindade não é encontrada em parte
alguma da Bíblia. Observe o que The New Encyclopædia Britannica diz sobre isso:
“Nem a palavra Trindade, nem a doutrina explícita constam no Novo Testamento.”
Ademais, o professor E. Washburn Hopkins, da Universidade de Yale, disse:
“Jesus e Paulo aparentemente desconheciam a doutrina da trindade; . . . nada
dizem a seu respeito.” Assim, o que podemos concluir a respeito dos que apoiam
a interpretação trinitária de João 1:1 ou de qualquer outro versículo da
Bíblia? De acordo com o próprio critério do Sr. Lingard, “não são as Escrituras
que os informam, mas são eles que acrescentam suas próprias ideias à linguagem
das Escrituras” - Sentinela, 1 de Agosto de 1999, pp.10
No artigo chamado Interpretação da Bíblia, quem a
influência, os autores da revista A Sentinela apresentaram um caso interessante
em que um católico chamado John Lingard afirma: “Homens de todas as crenças
encontram a confirmação das suas próprias opiniões nos escritos sagrados, pois,
de fato, não são as Escrituras que os informam, mas são eles que acrescentam as
suas próprias ideias à linguagem das Escrituras”. Segundo tais autores, essa
afirmação foi feita em defesa da tradução que Lingard fez de João1:1 que os
autores da Sentinela chamam de tradução trinitária.
Neste momento devemos colocar uma pergunta importante: Esse texto de João 1.1 defende a doutrina
da Trindade? Certamente não. Note que em João 1:1, mesmo nas versões mais
trinitárias, não encontramos nenhuma referência ao Espírito Santo. Portanto,
não podemos assumir que a Trindade seja referida em João 1:1. Nesse sentido, a
Sentinela está correta.
Porém, devemos colocar outra pergunta importante: Sobre quem fala esse texto? A resposta
correta seria: Sobre Deus, o Pai, e o Filho de Deus, Jesus Cristo e a relação
que mantém desde o princípio. Observe o que o texto diz: “No princípio era
a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus“. Algumas
partes desse texto são extremamente claras e não tem qualquer problema de
tradução, e para identificá-las usamos aqui o termo sublinhado.
Busque nas diferentes versões que você encontrar, e você
poderá perceber que de modo diferente, todas as traduções irão dizer que no
princípio a Palavra era. Nenhuma tradução diz que a Palavra veio a existir no
princípio. Também temos por certo que o termo princípio, não se refere ao
princípio de Deus, o Pai, pois ele não tem princípio. Ou seja, esse princípio
deve ser o princípio da Criação. Mas, o que significa dizer que a Palavra era
na Criação? O verbo no passado aqui parece sugerir que a Palavra já existia
antes do princípio da Criação.
Isso é interessante, pois sabemos pelo Evangelho de João que
Jesus existe desde antes da Criação. Em João
8.58 o vemos dizer: “Jesus disse-lhes: “Digo-vos em toda a verdade: Antes
de Abraão vir à existência, eu tenho sido“. Ele também disse em João
17.24: “Pai, quanto ao que me tens dado, quero que, onde eu estiver, eles
também estejam comigo, a fim de que observem a minha glória que me tens dado, porque
me amaste antes da fundação do mundo“. Em outras palavras, Jesus está
dizendo que antes da Criação iniciar, Jesus já tinha um relacionamento de amor
estabelecido com Jeová. Portanto, devemos admitir que Jesus não faz parte das
coisas criadas, pois existe antes da Criação em um relacionamento de amor com
Deus. Aliás, em João 1:1 lemos que no princípio a Palavra estava com Deus. Ou
seja, Jesus e Jeová já conviviam juntos antes mesmo do princípio da Criação. É
por isso que ele é chamado Criador de todas as coisas: “Todas as coisas vieram
à existência por intermédio dele, e à parte dele nem mesmo uma só coisa veio à
existência. O que veio à existência” (João1:3).
Portanto, devemos admitir que pelo testemunho de João, Jesus
não é, nem pode ser uma criatura pois já existia antes de tudo vir à
existência. Ele também não pode ser o Jeová Deus com quem estava, afinal de
contas, desde antes da fundação do mundo eles já conviviam num relacionamento
de intimidade. Esses dois conceitos estão claramente demonstrados no próprio
verso, e deles o próprio Jesus dá testemunho no mesmo evangelho.
Em primeiro lugar, devemos lembrar do que aprendemos com
esse texto até aqui: (1) Jesus não pode ser uma criatura, pois existe antes da
criação iniciar e (2) e já estava em um relacionamento de
intimidade com Jeová Deus antes de tudo iniciar, e por isso não pode ser o Deus com quem estava. Portanto, se Jesus é [um] deus, devemos admitir que ele é [um] deus diferente de Jeová Deus.
intimidade com Jeová Deus antes de tudo iniciar, e por isso não pode ser o Deus com quem estava. Portanto, se Jesus é [um] deus, devemos admitir que ele é [um] deus diferente de Jeová Deus.
Em segundo lugar, devemos lembrar que Jesus mesmo ensina que
não existe outro Deus verdadeiro: “Isto significa vida eterna, que absorvam
conhecimento de ti, o único Deus verdadeiro, e daquele que enviaste, Jesus
Cristo“. Se Jeová Deus é o único Deus verdadeiro, a Palavra seria um deus
falso. Mas, sabemos que isso não é verdade. Então, o que o texto nos quer
ensinar?
Observe que a interpretação do texto é fundamental para
compreendermos o seu sentido verdadeiro, e não aquele que queremos colocar no
texto. Contudo, já percebemos que colocar o artigo indefinido aqui em João 1:1
causaria sérios problemas com as próprias palavras de Jesus. Outro detalhe que
deve ser lembrado é que o termo usado por João aqui (gr. theós), não é usado em
nenhum lugar no NT para descrever uma pessoa poderosa. Das 1317 vezes que esse
termo é usado no Novo Testamento, nenhuma vez o termo tem esse sentido. O
sentido normal e absolutamente majoritário do termo no NT é uma referência a Deus. No evangelho de João, das 69 vezes que
João usa o termo, apenas duas vezes o termo não é usado em referência a Deus
(João 10.35, 36), mas nas duas vezes ele usa o termo no plural. Em três outras
ocasiões, o termo é usado em referência a Jesus Cristo (1:1; 1:18; 20:28),
sendo que as duas primeiras vêm sem artigo, mas a última vem com artigo numa
frase dita a Jesus Cristo, e ele não se importou em ser chamado “o Deus“.
Ou seja, João, que parece ser um autor inteligente e sabe
escolher as palavras que usa, sem contar que foi direcionado por Deus para
escrever um escrito inspirado, está a dizer que Jesus é Deus, e não um Deus
como a Tradução do Novo Mundo sugere. E se Jesus diz que é anterior à Criação,
que é Criador de todas as coisas, que é
um com Deus Pai faria todo sentido que Ele fosse chamado Deus. Mais
interessante ainda é que o modo como João escreve essa frase tem duas
peculiaridades que precisam ser lembradas:
1. João não usou
artigo quando escreveu o termo Deus: Alguns dizem que por não ter artigo, o
termo Deus aqui deveria carregar um artigo indefinido. Mas, será que ousaríamos
fazer o mesmo com as outras ocasiões no mesmo capítulo do Evangelho de João?
Ele usou o mesmo termo 12 vezes no mesmo capítulo e 6 vezes o fez sem artigo
(v. 1, 6, 12, 13, 18×2). Nessas seis ocorrências, temos a certeza que 3x o
termo é usado em referência a Deus (v. 6, 13 e 18). Seria justo colocar um
artigo indefinido em todas essas ocasiões? Claro que não, pois os textos deixam
claro que João fala do Deus Pai. Mas, o que o texto de João 1:1 fala sobre a
Palavra?
2. João usou uma
ordem interessante para o verso: A ordem das palavras desse verso é
interessante, pois quando o autor coloca o predicado do sujeito sem artigo
antes do verbo de ligação, o sentido dessa frase é normalmente qualitativo,
como João o faz em pelo menos 44x no mesmo evangelho (1.12; 14; 2.9; 3.4, 6 x2,
29; 4.19; 6.33 x2, 70; 8.31, 33, 34, 37, 39, 44 x2, 48; 9.8, 17, 24, 25, 27,
28, 10.1, 2, 8, 13, 33, 34, 36; 11.51; 12.6, 29, 26, 50; 13.35; 15.14; 18.25,
35 x2, 37 x2). Com esse sentido, o texto estaria a dizer que Jesus tem a mesma
essência de Deus, mas não sendo o próprio Deus com quem Ele estava. Por outras
palavras, João está a ensinar-nos que a Palavra não é a mesma pessoa que Jeová
Deus, mas que é tão Deus quanto Ele é.
Considerando o contexto de João 1:1, a sua gramática e a
opinião do próprio evangelista em outros lugares fica evidente que João 1:1
atesta a divindade de Jesus: Ele não é a mesma pessoa que Jeová Deus, mas é tão
Deus quanto Ele. Mas, isso não é uma das características da doutrina da
Trindade? Certamente que sim. Então esse texto prova a Trindade? Claro que não.
Esse texto prova um dos pontos da Doutrina da Trindade, que Jesus e Jeová não
são a mesma pessoa, mas a mesma essência. Isso explica por que a publicação
citada no início desse post ataca tão ferozmente a ideia de que esse texto
possa falar sobre a Trindade.
Contudo, note a sagacidade desses autores: Eles pressupõem
que tal tradução foi feita para defender a doutrina da Trindade, e conduzem os seus
leitores a pensarem o mesmo. Entretanto, esse texto não defende a doutrina da
Trindade, até por que nada fala sobre o Espírito Santo. Esse pressuposto
inserido na conversa conduz seus leitores a pensarem que seria um absurdo
defender a doutrina da Trindade nesse texto.
E como quem tira diante dos olhos dos seus leitores o texto
que Lingard traduziu, os autores conduzem seus leitores a Enciclopédia Britânica
que supostamente afirma que nem a palavra Trindade nem seu conceito são
encontrados no NT e que o professor Washburn afirma que Paulo e Jesus não a
conheciam e nada falaram sobre ela. Em nenhum momento a Sentinela apresenta
algum detalhe ou informação do texto que estão interpretando: Todas as
evidências que usam estão fora das escrituras, na voz de pessoas que não
reconhecem a Jeová como Deus. Isso implica em dizer que o texto já não é
importante. Mas, isso não é verdade: A Palavra de Deus sempre é mais importante
que qualquer outra publicação, e temos demonstrado que o texto diz com clareza
que Jesus não é criado, não é o Deus com quem estava, mas era tão Deus quanto
Ele, saindo apenas do texto das escrituras.
Para terminar o raciocínio, A Sentinela afirma que o Sr.
Lingard caiu na própria armadilha, ao traduzir um texto segundo as suas
próprias ideias. Será isso verdadeiro?
Sobre isso, devemos fazer uma pergunta: Esse artigo
demonstra qual é o modo correto de se entender o texto? Não, ele simplesmente
defende que a inserção do artigo indefinido no texto é o modo correto de se
entender o texto, e ataca a opinião do Sr. Lingard. Em outras palavras, a
Sentinela demonstrou por fato que sua INTERPRETAÇÃO foi motivada por teologia e
não pelo próprio texto que se propõe a interpretar.
Com isso, estamos dizendo que o Sr. Lingard estava certo
quando disse: “não são as Escrituras que os informam, mas são eles que
acrescentam suas próprias ideias à linguagem das Escrituras“.