Teriam sido as tentações de Cristo mais suaves do que as
nossas? Se o Salvador não tinha propensão para o pecado, como todos os
descendentes de Adão, como poderia Ele ter tido as mesmas provas que nós e ser
nosso exemplo? Poderia ter sido gerado em pecado como nós e, ao mesmo tempo,
ser sem pecado e ainda nosso Salvador?
Diante das perguntas acima pretendemos fazer uma abordagem,
fundamentada basicamente na Bíblia e nos escritos de Ellen G. White, sobre a
situação póslapsariana da humanidade e em que sua situação se assemelha à de
Cristo e em que se diferencia. Procuraremos analisar em que base se sustenta a
propensão no homem caído e onde está o ponto de tensão, que teria sido igual ou
superior em Cristo, apesar da diferença de naturezas entre o pecador e o
Salvador. Finalmente, desejamos destacar pontos que demonstrem que Jesus foi
mais provado do que nós e teria experimentado mais tensões espirituais, embora
sem pecado, seja como ato ou tendência.
A Condição do Homem Após o Pecado
A condição pecaminosa é universal: Segundo as Escrituras
todo ser humano herdou a condição pecaminosa de Adão após a queda e
“destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:23). Essa situação de pecado é
comprovada incontestavelmente pela morte “por isso que todos pecaram” (Rm 5:12).
Não há exceção: A declaração enfática de que “todos estão
debaixo do pecado” (Rm 3:9) leva à conclusão óbvia de que “não há um só justo”
(Rm 3:10) e “ninguém que faça o bem” (Rm 3:12).
Inimizade natural contra Deus e Sua lei: O ser humano, na
explanação do apóstolo é “carnal” em oposição à lei que é espiritual (Rm 7:14).
Essa condição carnal leva-nos à inclinação contra a lei de Deus e para a morte,
desagradando a Deus (Rm 8:6-8).
A inimizade vem desde o nascimento: Assim a própria natureza
humana é corrompida em si mesma desde mesmo o nascimento (Sl 51:5), havendo no
indivíduo não convertido um “enganoso coração mais do que todas as coisas e
perverso” (Jr 17:9) daí uma inimizade gratuita contra Deus o que o torna “por
natureza filho da ira” e morto “em ofensas e pecados” (Ef 2:3-5). Não há ser
humano que viva e não peque (Pv 20:9; Sl 14:3; 143:2).
A condição pecaminosa impede todo ser humano de entender as
coisas espirituais po si mesmo: O entendimento humano carnal “não pode
compreender as coisas do Espírito de Deus pois lhe parecem loucura; e não pode
entende-las, porque elas se discernem espiritualmente” (I Co. 2:14). As sua
boas obras não servem para a Salvação (Rm 3:20) e são trapos de imundície (Is
64:6).
O ser humano não pode escapar dessa situação sozinho:
Finalmente, como poderia alguém fazer o bem, ou se o fizesse, ser um bem
legítimo se nele “não habita bem algum” e mesmo quando quer realizar o bem não
consegue (Rm 7:18) “pois o mal está comigo” (v. 21)? Essa impotência total
justifica a declaração de Jesus de que “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15:5).
Nos apelos naturais para pecar, resultado do nascimento e
condição de pecado, é que o ser humano vivencia a posse da “tendência para o
pecado”, situação anómala e contrária ao plano original de Deus quando criou o
homem numa situação em que “tudo era bom” (Gn 1:31). A natureza do ser humano,
pois, na presente realidade que vivemos, é estruturada (ou poderíamos dizer
“desestruturada) para pecar. Ela deseja pecar como parte de si mesma. Como
alguma coisa essencial à sua satisfação e realização. O pecado é seu ambiente,
o único que conhece e entende, de onde por si próprio não pode e nem quer
sair.[1]
Seria difícil aceitar as declarações acima como referindo-se
a Jesus considerando as descrições bíblicas e da igreja acerca de sua especial
natureza e impecabilidade[2]. Ao buscar a solidariedade de Cristo conosco impingindo-lhe
uma natureza “em pecado” (tendência e condição de pecado) só encontraremos uma
tensão contraditória[3]. Essa solidariedade deve ser procurada na semelhança
humana e na vulnerabilidade às mesmas dores que nós, no “habitar” conosco e
superar tensões e provas iguais e superiores às nossas, mesmo sem a tendência
pecaminosa, e no entanto, vencer como o segundo Adão conferindo Sua vitória e
poder restaurador a todos os que o seguem[4]. É possível ver nas descrições
bíblicas que as provas de Jesus foram superiores não somente às de Adão mas
também superiores mesmo às da humanidade caída (Hb 2:14-18; 4:15), conforme
trataremos na última parte deste trabalho.
A Operação da Tendência para o Pecado Comparada com as
Provas de Cristo
A tendência para pecar se tornou após a queda de Adão tão
poderosa na vida humana como se fosse essencial à própria vida, sua natureza,
então integrou-se às mais fortes necessidades do ser humano como o alimento
material, necessidades fisiológicas, segurança, reprodução e realização
pessoal. O apóstolo Paulo (Rm 7) demonstra a força do pecado no ser humano
operando “nos seus membros” provocando desejos contrários à vontade espiritual
da lei. Os desejos são do pecado e para o pecado. Procedem de dentro.
Nas tentações de Cristo não há desejos para pecar ou
intensões impuras. Em Jesus há o conflito de renunciar a desejos naturais[5] e
inocentes porque estes, se satisfeitos naquele contexto, estariam em confronto
com a vontade do Pai. Assim o desejar beber e comer, descansar ou sobreviver
não deveria ser satisfeito sem a completa dependência de Deus. Jesus não
deveria salvar-se a si mesmo ainda que podendo faze-lo Deveria abrir mão da
vida e autopreservação. Deveria renunciar aos desejos naturais e lícitos de sua
natureza sem pecado e ao faze-lo estaria numa luta tão intensa contra si mesmo
ao renunciar: uma renúncia tão ou mais intensa como a de qualquer outro ser
humano que renuncia a si mesmo e à força de sua própria natureza pecaminosa.
Precisou exercer “autodomínio mais forte do que a fome e a morte”; precisou
avançar quando sua “natureza” desejava recuar[6]. Jesus renunciou a si mesmo
sob pressão das necessidades físicas e emocionais de um ser humano sem pecado.
Suportou numa natureza não caída e corpo de capacidade reduzida a pressão que
Adão não esteve disposto a resistir num corpo e mente superior.
O homem após a queda, quando auxiliado pela graça de Deus,
em dependência do poder do Espírito Santo, pode renunciar a uma natureza caída
com seus desejos. A base do conflito é renúncia e dependência de Deus. Jesus
deveria “sozinho” e “sem haver ninguém que o ajudasse”[7] renunciar e depender
na condição de segundo Adão, levando a natureza sem pecado, mas ao mesmo tempo
e no mesmo corpo a fraqueza física e psicológica consequente do enfraquecimento
da raça.
A “revanche do deserto” onde Cristo como o segundo Adão
entrou e recuperou a batalha perdida pelos primeiros pais “no lugar” na “mesma
prova” de Adão [8] foi uma vitória tão grande como o fracasso do primeiro par
[9]. Nas tentações do deserto Jesus recupera o reino espiritual (e material)
vencendo pela superação de necessidades materiais e em situação extrema, e sem
ajuda[10] (Is 63:1-5) os mais fortes apelos que a natureza humana pode suportar
e, até superando os apelos naturais da própria existência ao ponto de ao fim do
conflito ser necessária a assistência dos anjos, diante do eventual risco de
vida, tal a severidade da prova (Mt 4:11).[11]
A equivalência da prova de renúncia das necessidades
materiais, especialmente considerando o escopo especial do combate no deserto,
demonstra, sem dúvida, que a vitória espiritual de Jesus está biblicamente
sustentada na superação da condescendência com apetites do corpo e da mente.
Assim, os apelos do corpo
e da mente, veículos para provocar a queda de Adão, mantém relação direta e necessária com o episódio da queda e da redenção.[12]
e da mente, veículos para provocar a queda de Adão, mantém relação direta e necessária com o episódio da queda e da redenção.[12]
É a ausência do domínio dos desejos e necessidades do corpo
a base da fraqueza humana hoje, e que somente pode ser recuperado pelo poder do
Espírito (Gl 5:22) que opera nos que receberam a justiça de Cristo. É a
atribuição ao pecador do caráter perfeito dAquele que colocou o Pai em primeiro
lugar e acima mesmo de Suas mais vitais e naturais necessidades.
A Pressão da Renúncia do Eu no Cristão e em Jesus
No caso do homem caído, além das necessidades naturais e
lícitas para a existência e realização, uma outra lei natural entra em vigor: a
lei do pecado que opera nos seus membros (Rm 7), como o faz todos os
imperativos lícitos e naturais para a vida. O agravante é que a “lei do
pecado”, esse domínio tirânico e naturalmente irresistível que nos leva a pecar
submete todos os imperativos inocentes da vida como a alimentação, segurança,
realização e outros. Todas as necessidades naturais estão submetidas pela
tendência para pecar, o desejo de pecar, a concupiscência, onde todo pecado e
corrupção tem início, seja tal pecado praticado dentro ou fora da igreja (Tg
1:13, 14; 4:1-3; II Pd 1:4). Assim, a resistência à necessidade de pecar é tão
severa como a renúncia da própria vida pois renuncia a tudo que a tendência
caída domina. Não é à toa que é chamada de “morte”. Estar sem o poder
libertador de Cristo é estar morto (Ef 2:1). Libertar-se pelo poder de Cristo é
morrer para o pecado e nascer de novo (Rm 6). É, pois, bem apropriada a
linguagem da Bíblia que descreve uma situação dramática e real: a conversão é
morrer renunciando todo o eu pecador e mesmo às necessidades naturais por ele
dominadas. Dessa forma, para Jesus recuperar a falha de Adão e as nossas
significou, não a luta contra uma natureza caída que Ele não tinha e nem podia
ter, entendendo o pecado essencial que essa tendência implica conforme
demonstramos (seria difícil imaginar Jesus admitir que nele “não havia bem
algum” ou que “o mal” estava com Ele, ou que ao nascer era “destituído da
glória de Deus” como todos os demais homens). Mas Jesus, não tendo a natureza
tendente ao pecado para ser dominado por ela, poderia ser, como foi Adão
(também sem tendência para o pecado) no Éden, dominado pelas próprias
necessidades naturais na tentativa de leva-lo a, como fez com Adão [13],
desconfiar de Deus, cobiçar o fruto e o conhecimento vedados e finalmente
pecar. Deveria, portanto, “mostrar, no conflito com Satanás, que o homem, tal
como Deus o criou, unido ao Pai e ao Filho, poderia obedecer a todo reclamo
divino.” [14]
Limitações Decorrentes de Sua Missão Levaram-no a Renúncias
Equivalentes às Nossas [15]
Assim que, Jesus tendo sido tentado “como nós” e “mais do
que nós”, não pôde defender a e nem requerer para si mesmo o que naturalmente
lhe era de direito como homem e Deus mas renunciou a todas as coisas e
“esvaziou-se” (Ef 2:1-8) para que pudesse ser o Redentor da humanidade. Uma vez
que a tendência para o pecado é “natural” no ser humano caído, é nesse plano da
inclinação pecaminosa que Satanás opera seu cativeiro na humanidade.
O Adversário, não tendo em Cristo um cativo vítima da
propensão ou concupiscência do eu para o pecado, deveria buscar outro módulo de
ação no qual ou através do qual, se possível[16], pudesse ter acesso àquele que
declarou acerca de Satanás: “nada tem em mim” (Jo 14:30). Satanás deveria
buscar que Jesus decidisse desobedecer a Deus não através de compulsão interior
para o mal como ocorre conosco mas através do exercício de Seus direitos
naturais que lhe estavam vetados, a exemplo de usar a divindade transformando
pedra em pães para saciar a fome, coisa muito natural para Jesus embora
sobrenatural para nós! Natural tornar pedra em pães e natural saciar a fome!
Mais do que um direito, uma necessidade! Natural para alguém extremamente
fragilizado buscar segurança e escapar da dor, humilhação e morte. Natural e
necessário para o corpo e a mente em agonia receber e aceitar a proposta de ter
o reino de volta sem a morte. Natural recuar diante de um conflito maior do que
a Sua humanidade – conflito em favor de toda a raça humana – a morte eterna em
lugar de todos, e retornar para as delícias junto ao Pai. Muito natural soprar
e varrer do planeta a impiedade dos homens e anjos maus que o desonravam e
contra Ele blasfemavam, mas o tempo para esse tipo de juízo ainda não havia
chegado.
Certamente a renúncia de Jesus abrangia também todas as
satisfações da vida humana e direito de fazer uso de poder divino para si. [17]
Para viver restou-lhe apenas uma “comida e bebida”: “fazer a vontade do meu
Pai” (Jo 4:34). A situação, portanto, poderia ser colocada assim: a angústia
física e mental de um corpo humano fragilizado (pela renúncia de Suas naturais
necessidades e até do exercício do poder divino) era o caminho para que Satanás
tentasse induzir Jesus a desobedecer a Deus (situações como em Mt 4, descer da
cruz entre outras) [18].
Conosco o plano de investida do inimigo, mesmo em pessoas
convertidas é explorar os apelos naturais do homem caído (Tg 1:14; 4:1, 2) aos
quais nos cabe renunciar em favor da vontade de Deus. Em nós renuncia-se a
natureza de pecado e seus apelos contrários à santidade de Deus, mas, em
Cristo, renuncia-se às necessidades de um corpo fragilizado embora possuindo natureza
sem pecado e também o uso de Seu natural poder divino, uma vez que qualquer
dessas alternativas seriam pecado ainda que “por um pensamento”, mesmo em face
da morte. [19] Em resumo:
a) Os pontos de investida eram diferentes (tendência para
pecar em nós x desejo para satisfazer necessidades naturais e inocentes em
Jesus).
b) A base de resistência era a mesma (renúncia total do
eu[20] em favor da vontade de Deus e entrega total aos seus cuidados).
c) A força da tentação era a mesma (os apelos da natureza:
em nós interiormente para pecar x em Cristo os apelos exteriores parar
satisfazer necessidades naturais e inocentes – comida, alívio da dor – e isto,
muitas vezes, em condições extremas!).
Assim, Jesus sofreu, por outro caminho e conheceu por outro
modo, as mesmas pressões que nós que temos compulsão pecaminosa. Ele, porém,
sem tal propensão para o pecado!
Comparação das Tentações de Cristo Com as Nossas Tentações
Consideremos, agora, a superioridade das provas e tentações
de Jesus sobre nós em quatro aspectos, considerando-o como ser humano que
precisava enfrentar em nossa condição enfraquecida o teste da renúncia do eu
para fazer a vontade do Pai.
As intensidades de nossas tentações e as de Jesus são
apresentadas na Bíblia como diferentes (I Co 10:13). Nessa passagem a tentação
pela qual passamos, como pecadores, é apenas “humana” sugerindo que existe uma
tentação maior do que a que experimentamos. A declaração é que cada pessoa será
tentada de acordo com suas forças para que possa vencer, nunca será tentada
mais do que pode resistir: “não vos deixará tentar acima do que podeis”. Além
disso, garante a Bíblia, Deus proverá o “escape”. Por outro lado, se alguém
depois de todo esse amparo divino ceder antes de alcançar a tensão máxima,
conforme a capacidade de resistência que lhe foi dada, receberá a assistência
especial do Advogado (I Jo 2:1). Jesus não teve sua prova aliviada e nem
poderia pecar, sob pena de não ter uma segunda chance. Sua prova vai além dos
cem por cento da capacidade humana porque Ele sofreu o que está além do ser
humano suportar.[21] Sua tentação era “tanto maior quanto Seu caráter era
superior ao nosso”. [22]
A magnitude da Sua Missão e responsabilidade era um peso
adicional que nós não carregamos. Jesus deveria levar os pecados “do mundo” e
tomar nossas “dores e enfermidades” (Is 53). Sua preocupação não se restringia
a uma vitória calcada em razões pessoais para um escopo pessoal. Sua luta era
representativa de Adão e neste de toda humanidade. E mais do que a humanidade
Ele deveria representar o caráter perfeito de Deus perante todo o universo
inteligente. Nosso fracasso é individual e pode afetar outros mas sempre será
um fracasso pessoal pois ele não é determinante, em termos absolutos, dos
destinos dos outros. A raça humana ou o caráter de Deus não dependem
exclusivamente do meu testemunho. A vida de Jesus era o único fator
determinante para a redenção da humanidade e para a vindicação do caráter do
Pai. Com um conflito de implicações e significados tão vastos não é difícil
perceber que Sua prova possuía uma magnitude maior do que a nossa.
O Salvador sofria qualitativamente mais que nós. Jesus era
constituído de uma natureza pura e consequentemente refratária ao pecado. Sua natureza
aspirava santidade e verdade. Estava, no entanto, num mundo de pecado e
mentira. Ninguém jamais “odiou” o pecado como Ele. Ninguém jamais vivenciou um
contraste tão contundente contra o pecado como Jesus[23]. “Ó geração incrédula
e perversa. Até quando estarei eu convosco e até quando vos sofrerei?” (Mt
17:17). Permanecer num mundo de pecado era um fardo adicional para Sua natureza
sem pecado não apenas pela contínua agressão que isso significava mas também
pelo motivo a mais que tal circunstância oferecia para sugerir o desvio de Sua
Missão redentora até o fim. Além do mais Ele estava exposto a todas a “forças
da confederação do mal”.[24] Talvez a nossa adaptação ao pecado não nos permita
sentir o desconforto de viver neste mundo mas para Jesus este lugar lhe era uma
contínua agressão pela generalização da iniquidade.
Também sofreu quantitativamente mais do que todos. Algumas
tentações Jesus tinha e nós não as temos: em várias ocasiões foi tentado a usar
sua divindade para conseguir alimento, deixar de beber o cálice do sacrifício,
livrar-se dos seus algozes, descer da cruz. Apelos que nada significam para nós
que não temos poder divino. Ele era tentado a desistir de redimir o homem e
voltar para as cortes celestiais. Esse tipo de tentação nós também não temos.
Conclusão
Concluímos esta abordagem entendendo que todo o homem nasce
pecador e sob o domínio do pecado, não porém Jesus, que tendo nascido de forma
sobrenatural nasceu santo, sem pecado e “separado dos pecadores”. Isso era
necessário para que Ele mesmo não estivesse na condição de perdido e precisasse
de Redentor. No entanto, Sua natureza sem pecado não lhe ofereceu vantagem
sobre nós devido às limitações decorrentes de Sua Missão. Ele precisou
renunciar às necessidades e desejos lícitos, inocentes e fundamentais de Sua
humanidade perfeita num corpo fragilizado, sentindo a dor da renúncia, dor esta
que todos nós pecadores precisamos experimentar ao renunciarmos nossa natureza
caída e seus condenáveis desejos.
Tendo passado por tudo que passamos o Salvador possuía
tentações que não temos, sensibilidade que desconhecemos tornando Seu
sofrimento mais agudo, pressões mais intensas e sem limite além de pesar-lhe a
vida do mundo e a resposta esperada pelo universo.
Premido pela impossibilidade de uma segunda chance o Senhor
não teria um advogado caso pecasse. Daí concluímos que a natureza sem propensão
para o pecado, embora um qualificativo indispensável para que fosse o novo
representante da raça humana, para ser o segundo Adão, o faz passar por uma
renúncia muito maior do que a nossa que somos convidados a renunciar o pecado,
dor e morte, mesmo considerando seus efêmeros prazeres mas tendo o recurso do
arrependimento, enquanto Jesus, como o segundo Adão, não podia cometer qualquer
erro.
Se nós sabemos o que é desejar o proibido por causa de
nossas vis propensões e não tê-lo pois seria pecado, Ele também sabe o que é
ser vedado ter o que desejava (ainda que não desejasse o errado) pois isso
seria comprometer a nossa salvação e a vontade do Pai. Ele sabe o que é
renunciar a si mesmo, e o muito que tinha, para nos salvar, assim como nós
sabemos o que é renunciar o pouco que temos e o que somos em nossas tendências
más, para nossa própria salvação (e isso pela Graça).
Finalmente, sendo tentado em tudo como nós e mais do que
nós, mas sem pecado, se tornou o nosso Modelo Divino, em lugar do primeiro
Adão, do que Deus esperava que o homem fosse “física e espiritualmente” quando
em harmonia com a lei de Deus.[25]
Referências
[1] Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (PP) (Santo André,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1979), 45, 312 e Desejado de Todas as Naçoes
(DTN) (Santo André, SP: Casa publicadora Brasileira, 1979), 108
[2] Esse pensamento
pode ser encontrado em várias passagens da literatura da igreja primitiva
assegurando a Sua natureza sem propensão para o pecado: 1) “…em Jesus Cristo
recuperamos o que foi perdido em Adão, ou seja, o sermos a imagem e semelhança
de Deus… Irineu. Adv. Haer. Henry Bettenson, editor, Documentos da Igreja
Cristã (DIC), 3ª ed. (SP: ASTE – Sociedade Religiosa Edições Simpósio, 1998),
69. 2) “Habitando entre nós comunicou-nos a genuína incorruptibilidade…” Ibid.,
71. 3) …”o Senhor…recapitula (resume) em si o homem original…” Ibid., 70. 4)
Nasceu da virgem que não conheceu concupiscência por um novo e portentoso modo,
tomando dela a natureza mas não a culpa. Ibid., 100. 5) Já Bettenson,
comentando no Credo Niceno (de Cesaréia) aperfeiçoado pelo Concílio de Nicéia
em 325, o termo “alterável”, declara que refere-se a Jesus não ser moralmente
alterável o que seria anátema (atréptôs), esclarece ainda o termo
“enanthôpêsanta – tomando sobre si tudo aquilo que faz homem ao homem,
alargando sarkhôthénta, fez-se carne, ou, talvez, viveu como homem entre os
homens…” Sendo assim Jesus herdou as características humanas necessárias para
ser identificado como tal, uma natureza que não foi alterada moralmente em
momento algum, segundo o Credo de Nicéia. Ibid., 69. 6) O Tomo de Leão ou
Definição de Calcedónia, declara que Cristo não tinha em sua natureza humana as
propriedades produzidas pela queda (herdadas) e adquiridas. Sua natureza era
“perfeita” de homem verdadeiro. Tinha fraquezas mas não culpa, nem mácula, nada
tinha “das propriedades que trouxe para dentro de nós o sedutor” (Ibid., 97).
Atanásio (296 a 373) em sua obra De Incarnatione, 328 AD, diz que Ele tomou
corpo mortal, entretando ïncorruptível” para que a corrupção cessasse
revestindo-se de sua incorrupção (apesar de, no texto, aparentemente alegar a divindade
para tal incorrupção). Ibid., 75. 8) Nos debates contra o semipelagianismo
aparece a ideia de que a liberdade humana se teria tornado tão depravada pelo
pecado que sem a graça ninguém amaria, creria ou faria o que é reto para o que
se dá várias passagens bíblicas. Se Jesus herdasse a natureza caída do homem,
certamente estaria sob o domínio do pecado e não poderia se livrar por si
mesmo, carecendo ele mesmo de um Salvador. Ibid., 116.
[3] Sua superioridade ética e espiritual é descrita, como
uma condição mais do que desempenho, de forma contundente no escritos de Ellen
White e nas Escrituras que declaram que ao nascer, em vez de em pecado (Sl
51:5), nasceria um “santo” (Lc 1:35 ); que “nele não há pecado” (I Jo 3:5) e
que “o príncipe deste mundo ‘nada’ tem em Mim” (Jo 14:30). Nele havia “perfeita
ausência de pecado”, “caráter sem pecado” conf. Ellen G. White, Mensagens
Escolhidas, vol. I (1ME) (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1966)
256, 264. Não participou do pecado nem por “um pensamento” e não recebeu
“nenhuma contaminação” ao se tornar homem. Seu corpo foi “preparado” por Deus:
DTN, 109, 244, 264, (Mt 1:20-23)). Foi tentado em tudo “mas sem pecado” (Hb
4:15), feito sacerdote “segundo a virtude da vida incorruptível” (Hb 7:16), “inocente,
imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os céus”, que não
necessitou oferecer sacrifícios por seus próprios pecados, que, em oposição a
“homens fracos” era “Filho perfeito para sempre” (Hb 7:26,27). Que se ofereceu
“imaculado” a Deus (Hb 9:14). Seu sangue e corpo tem poder santificador (Hb
10:10; 12:12). Seu sangue, diferente de pessoas justificadas, fala melhor do
que a do “justo” Abel (Hb 12:24; 11:4).
[4] I Co 15:45-49
declara que o primeiro Adão legou-nos (após o pecado) a imagem terrena e
carnal, ao contrário do segundo Adão (Jesus) que legou-nos sua imagem
espiritual. O primeiro era da Terra mas o segundo era do Céu. Agora temos a
imagem do terreno mas depois (na ressurreição, que é o contexto deste capítulo)
receberemos a imagem do celestial (sem pecado, redimida) isto é, a de Jesus.
Veja também Rm 5:12-19.
“Venceu Satanás com a mesma natureza sobe a qual Satanás
havia obtido a vitória no Éden.” The youth’s Instructor, 25 de abril de 1901.
[5] “ambicionava”
alimento, DTN, 104.
[6] DTN, 103.
[7] 1ME, 272.
[8] Ibid., 267, 272.
[9] Ibid., 288; DTN, 114.
[10] 1ME, 279. “…Cristo sabia que Adão,
no Éden, com sua superiores vantagens, poderia ter resistido às tentações de
Satanás, vencendo-o. Sabia também que não era possível ao homem, fora do Éden,
separado, desde a queda, da luz e do amor de Deus resistir em suas próprias
forças às tentações de Satanás.” Da mesma forma que Adão no Éden Cristo
batalhou sozinho. Sua natureza permaneceu diferente da nossa após a queda: sem
pecado. Se sua natureza fosse a mesma após a queda Ele não poderia vencer
“sozinho”. Podemos vencer como ele venceu mas pela “Sua graça”. Uma vez que Ele
venceu, aqueles que nEle crêem recebem sua vitória e o poder que santifica.
1ME, 226. Veio para redimir “a falha de Adão” e assim toda a sua descendência.
DTN, 102.
[11] DTN, 115.
[12] 1ME, 271, 272.
[13]DTN, 104.
[14] 1ME, 253
[15] Deus lhe vedou o
caminho suave: “é necessário que o Filho do homem padeça…” Era o “Homem de
dores” (Is 53:3). Apesar de ser parte de Sua pessoa, Jesus não deveria usar a
divindade para benefício próprio pois o homem não poderia faze-lo, além disso o
Seu caminho deveria ser de renúncia daquilo que todos os homens neste mundo têm
como natural para a própria vida: não possuía projetos pessoais para este
mundo. Deveria renunciar ao conforto e privilégios, até mesmo à comida e à vida
e até mesmo ao exercício de Sua Eterna Divindade para cumprir sua Missão. A
Redenção impedia-o de pensar no “bem-estar” do Filho do homem. Sua vida deveria
ser de “tristeza, dificuldades e conflitos” e Satanás faria sua vida o “mais
amarga possível”. 1ME, 286. Sua prova foi “mais cerrada e mais severa do que as
que jamais seriam impostas ao homem.” Ibid., 289.
[16] A possibilidade
de pecado em Cristo era tão real como o foi em Adão. DTN, 41, 103, 115, 660.
[17] 1ME, 276
[18] DTN, 106
[19] 1ME, 211, 220
[20] “Meu Pai: se
possível, passe de mim este cálice! Todavia não seja como eu quero, e, sim,
como tu queres ” (Mt 26:39). Se alguém quer vir após mim a si mesmo se negue,
tome a sua cruz e siga-me.” (Mt
16:24-26).
[21] Roy Adams. The Nature of Christ. (USA:
Reviw and Herald Publishing Association, 1994), 73-85. Discute acerca da
suposta vantagem de Cristo sobre nós. Sua posição é que Jesus sofreu a força
total da tentação enquanto nós recebemos apenas uma parte. Usando o que ele
chama de “Escala Richter de Tentação”, adaptando a que é usada para terremotos,
Adams, representa graficamente a declaração de I Co 10:13. Concordamos com a
ilustração considerando que não foi a cruz que matou a Cristo afinal, mas a
tensão da prova que lhe rompeu o coração (DTN, 741). Assim, não foi a tensão
total (conteúdo) que um homem suportaria, foi maior, a ponto de romper o
continente. Quebrou-se a escala. O abalo foi mais forte do que o suportável. A
dor estava além da capacidade humana. Nesse caso a intensidade não veio sob
medida, não pode ser avaliada. Foi “infinita” (Ibid., 743).
[22] DTN, 102.
[23] 1ME, 254.
[24] DTN, 101.
[25] Se nosso alvo é
a estatura de Cristo (Ef 4:13), nosso Modelo (1ME, 338), como poderíamos vê-lo
como alguém com as mesmas tendências mórbidas para o pecado que nós? Ã parte
dos momentos de conflito em que sua aparência foi desfigurada (Is 53; DTN, 103)
e dos efeitos redutores de sua capacidade física devido aos fatores
hereditários, Jesus era sem defeito “físico ou espiritual” (DTN, 42).
* Demóstenes Neves da Silva é mestre em Teologia e professor
do SALT/IAENE.