A palavra “unigénito” (monogenês), quando aplicada a Cristo,
destaca a Sua singularidade – Ele é o único através do qual podemos obter vida
eterna.
As Escrituras falam de Jesus como sendo eterno (João 1:1; Heb.
1:8,10-12, etc). No entanto, deparamo-nos com passagens onde Jesus é chamado “unigénito”
(por exemplo, João 3:16), palavra que vem do latim ”unigenitus” cujo
significado é “único gerado por seus pais, filho único”.1 Mas, se Jesus é
eterno, como pode ter sido “gerado”?
As línguas bíblicas são de muito auxílio para uma boa
interpretação dos textos bíblicos. Nesse sentido, um estudo do significado da
palavra grega monogenês nos ajuda a compreender melhor a Pessoa do Filho em Sua
relação com o Pai e a humanidade.
A palavra grega monogenês é composta de duas outras: monos,
que significa “único” “só” “sozinho” “sem igual”2 e genos, cujo significado é
“espécie” “género” “classe”3 Sua melhor tradução seria, então, “único” “único
de sua espécie” “único de seu gênero”4.
A palavra monogenês tem sua correspondente na palavra
hebraica yachíd, cuja tradução é “único” “precioso” como era o caso de Isaque
(Gén. 22:2,12,16). Ele era “único”, no sentido de ser o único filho da
promessa, e não no sentido de ser o único filho gerado por Abraão.5 Talvez a
melhor tradução da palavra [monogenês] seja ”único” no sentido de “sem igual”.6
“Monogenês, único! É achado como título cristológico somente
em João. Monogenês emprega-se para destacar Jesus de modo sem igual, acima de
todos os seres terrestres e celestiais.”7 Jerónimo empregou “unigenitus” na
Vulgata, para combater a especulação ariana de que Jesus teria sido feito pelo
Pai. Ao dizer que Jesus era “unigenitus” (“único gerado”), queria dizer que o
Filho procede do Pai e que tem a mesma natureza divina do Pai, mas não foi
feito 8, como é o caso das demais criaturas. “Jesus como monogenês é Aquele que
pode dizer ‘Eu e o Pai somos um’” (João 10:30).9
Monogenês – [...] se traduz corretamente como “único” “único
de seu género” [...] Monogenês se refere à posição (único em seu género). [...]
Assim também com respeito aos cinco textos de João que se referem a Cristo, a
tradução deveria ser uma das seguintes: “único” “precioso” “exclusivo”
“incomparável” “o único de sua classe”; porém não “unigénito” que se originou
com os primeiros pais da Igreja Católica e entrou nas primeiras traduções da
Bíblia devido à influência da Vulgata Latina, texto oficial da Bíblia para a
Igreja Católica. Refletindo com exatidão o grego, vários manuscritos redigidos
em latim antigo, anteriores à Vulgata, dizem ”único” e não “unigénito”10
O vocábulo monogenês aparece nove vezes no Novo
Testamento11, três vezes no Evangelho de Lucas, cinco no Evangelho de João e
uma vez no livro de Hebreus.
No Evangelho de Lucas, monogenês não tem conotação teológica
ou cristológica, mas se refere a filhos únicos de seus pais: o filho único de
uma viúva de Naim (Lc 7:12), a filha única de Jairo (8:42), e o filho único de
certo homem que rogou a Jesus que expulsasse o demónio que possuía o seu filho
(9:38).
Já em Hebreus (11:17) o vocábulo monogenês é empregue para
se referir a Isaque – filho único de Abraão e Sara (pois esse patriarca tinha
outros filhos: Ismael, da sua escrava Hagar, cf. Gn 16:15; mais seis filhos, da
sua esposa Quetura, cf. Gén 25:1, 2; além de outros filhos, de várias
concubinas, cf. Gn 25:6). Pode-se também aplicar o termo monogenês a Isaque no
sentido de que ele era o único filho da promessa.12
João é o único que aplica o termo monogenês como título
cristológico, e o faz em todas as cinco vezes onde o termo aparece nos seus
escritos (4 vezes no seu Evangelho e 1 vez em 1 João 4:9). João faz uso desse
vocábulo para enfatizar a natureza ímpar, sem igual, de Jesus Cristo.
Analisemos, mais detidamente, as passagens joaninas onde ele emprega o vocábulo
monogenês:
João 1:14: “E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós,
cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória, glória como do unigénito do
Pai.” Nesse texto, aparecem dois títulos dados ao Filho: Ele é o Verbo [logos]
ou a Palavra divina, o Criador, Aquele que ”estava com Deus” quando tudo foi
criado, e “era Deus” (João 1:1-3). Além de Criador, Ele é também o Filho único
de Deus, único na Sua espécie, pois é Deus pleno e homem pleno. Ele é o homem Jesus
Cristo, mas também é “Emanuel” – “Deus conosco” (Mt 1:23). “Quando João fala do
Filho de Deus, ele tem como primeira ideia de que o homem Jesus Cristo não é
exclusivamente homem, mas também o exaltado e pré-existente Senhor.”13 Assim,
tendo em vista a argumentação no início deste artigo quanto ao significado de
monogenês, poderia se traduzir esse termo como ”único”: “E vimos a Sua glória,
glória como do [Filho] único do Pai.”
João 1:18: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigénito, que
está no seio do Pai, é quem O revelou.” A expressão “Deus unigénito” (seria
mais bem traduzida para “Deus único”) aparece em alguns manuscritos.14 Outros,
no entanto, em vez de ”Deus único” trazem “o Filho único”15 Aqueles manuscritos
que trazem ”Deus único” contribuem com uma afirmação adicional quanto à
divindade do Verbo.16 Os que apresentam a expressão “o Filho único” destacam o
relacionamento de Jesus com o Pai. ”Como Filho único Jesus está em íntima
comunhão com Deus. Não há outro com o qual Deus possa ter semelhante
relacionamento. Ele compartilha cada coisa com o Seu Filho. Por essa razão,
Jesus pode revelar Deus, não por ouvir dizer, mas por causa da Sua incomparável
proximidade de relacionamento com Ele [o Pai] .”17
João 3:16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu
o Seu Filho unigénito, para que todo o que n´Ele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna.” Essa passagem pode ser considerada o resumo do Evangelho, e até
da Bíblia. Como vimos, “unigénito” deveria ter sido traduzido por ”único” O
emprego de monogenês, neste verso, segue a ideia joanina de enfatizar a forma
particular de comunhão que o Filho tem com o Pai, como nenhum outro ser a tem.
Cristo não é Filho de Deus por Seu nascimento natural (Encarnação), pois o Seu
relacionamento com o Pai antecede a esse acontecimento. Tal relacionamento é
eterno. Assim, o fato de Deus dar o Seu único Filho realça a profundidade do
Seu amor pela humanidade.18 Ele deu o que de mais precioso poderia ser dado.
João 3:18: “Quem n´Ele crê não é julgado; o que não crê já
está julgado, porquanto não crê no nome do unigénito Filho de Deus.” Mais uma
passagem de João, onde ele enfatiza a natureza ímpar de Jesus como o Filho de
Deus.19 Só pode haver salvação se houver a aceitação do Filho único de Deus, “o
qual, devido à Sua natureza sem par, é o único salvador dos homens.”20 Essa
passagem de João ecoa as palavras de Pedro: “E não há salvação em nenhum outro;
porque abaixo do Céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo
qual importa que sejamos salvos” (Atos 4:12).
1 João 4:9: “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em
haver Deus enviado o Seu Filho unigénito ao mundo, para vivermos por meio d´Ele.”
Mais uma vez o vocábulo monogenês é empregado por João para destacar a natureza
sem igual de Jesus Cristo, sem qualquer ênfase na ideia de geração. “Ele é o
único Salvador e Mediador. O Filho de Deus é declarado unigénito, ‘termo que
fala sobre ’relacionamento’ e não sobre origem.. Tal relacionamento é
eterno.”21
Em conclusão ao estudo da palavra monogenês no Novo
Testamento, pode-se ver que, nas passagens referentes a Cristo, ela é empregada
pelo apóstolo João para destacar Sua singularidade, Jesus é o Único que é Deus
pleno e homem pleno, o Único através do qual podemos obter vida eterna, o Único
que tem poder absoluto sobre a morte, pois a venceu, ao ressurgir dos mortos
pela vida que havia em Si mesmo (Jo 10:17 e 18; 11:25).
Referências:
1. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 2020.
2. BARTELS, K. H, in:
COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento, v. 2. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2564.
3. NICHOL, F. D, ed.
Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 5. Boise: Publicaciones
lnteramerianas, 1987, p. 880.
4. Angel Manuel
Rodriguez chama a atenção para o fato de genos estar relacionado ao verbo
ginomai (nascer, ser feito, tornar-se), e assim o vocábulo monogenès poderia
também significar “único gerado”. Contudo, afirma ainda Rodriguez, que “há
evidência linguística indicando que no tempo do Novo testamento a ideia de
derivação ou nascimento estava separada do substantivo verbal genos”. Assim,
seria melhor não dar demasiada ênfase na etimologia de monogenês, mas na
maneira como os autores o empregam. (R0DRÍGUEZ, M. A. “Christ as Monogenês: Proper Translation and
Theological Significance”, Reflections – A BRI Newsletter, January, 2007, p.
6).
5. WRIGHT, J, in: COENEN, L. &
BROWN, Dicionário lntemacional de Teologia do Movo Testamento, v. 2, op. cit,
p. 565.
6. Ibid.
7. BARTELS, K, in: Ibid, p. 25 65.
8. Quisesse um escritor bíblico dizer
que Jesus foi “gerado” no sentido de”ter sido feito” ou “concebido “pelo Pai
teria empregado monogênnetos e não monogenês (cf. MOULTON e MILLIGAN, citado
por APOLINÁRIO, P. As Testemunhas de Jeová e sua Interpretação da Bíblia,4. ed.
São Paulo: Instituto Adventista de Ensino, 1986, p. 147).
9. Ibid, p. 2566.
10. NICH0L, F.D., ed.
Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia,v.5. Boise: Publicaciones
Interamericanas, 1987, p. 880.
11. As citações são
da Versão Almeida Revista e Atualizada no Brasil, edição de 1993.
12. WRIGHT, J., in:
COENEN, L & BR0WN, Dicionário Internacional
do Novo Testamento, v. 2, op. cit, p. 565.
13. KITTEL, G., Theological Dictionary of the
New Testament, v. 4. Grand Rapids: Eerdmans Printing Company, 2006, p. 741.
14.
15.
16. WRIGHT, J, in: COENEN, L. & BROWN, C.
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, op. cit, p. 570.
17. KITTEL, G., ed. Theologial Dictionary of
the New Testament, v. 4, op. cit., p. 740.
18. CHAMPLIN, R.N.O Novo Testamento
lnterpretado, v. 2. São Paulo: Candeia, 1995, p. 312.
19. Ibid, p. 313.
20. Ibid.
21.lbid,v.6,p.278.
Texto de autoria de Ozeas C. Moura,Th . D.